São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995
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Experiências mentais e processos cerebrais

JAIR MARI

Freud cursou medicina em Viena, de 1873 a 1881, trabalhou no laboratório de Ernst Brucke, um reconhecido pesquisador de fisiologia, onde encontrou Josef Breuer, que viria auxiliá-lo na investigação de pacientes histéricas.
Freud e Breuer propuseram, a partir de suas observações, uma teoria etiológica da histeria. A gênese dessa estaria em uma experiência traumática que, ao ser incompatível com a consciência, permaneceria reprimida e se expressaria através de sintomas somáticos.
Abria-se aqui o caminho para se desvendar, pela primeira vez, a etiologia de um distúrbio mental com possibilidade de tratamento. A descarga da experiência traumática, facilitada pela análise, era acompanhada de uma remissão dos sintomas. O tratamento psicanalítico foi posteriormente estendido para outros tipos de neuroses como fobias, obsessões, depressão e ansiedade.
A partir de 1950, o desenvolvimento da psicofarmacologia trouxe novos dados para o conhecimento das funções cerebrais e, consequentemente, dos distúrbios psico-emocionais. A introdução dos antipsicóticos contribuiu para a compreensão do sistema dopaminérgico, sugerindo a hipótese de excesso de dopamina na esquizofrenia.
O emprego dos antidepressivos contribuiu para a elucidação dos sistemas das monoaminas e da serotonina, possibilitando o entendimento da bioquímica dos estados depressivos e dos transtornos obsessivos. O mapeamento da atividade elétrica cerebral para caracterizar anormalidades estruturais, metabólicas e eletrofisiológicas, tornou-se realidade após a introdução da Tomografia por Emissão de Pósitrons.
Há também um avanço notável na genética humana e biologia molecular. Com isso, a separação cartesiana entre mente e cérebro está se diluindo, com uma maior aproximação entre experiências mentais e processos cerebrais.
Se, no início do século, a única alternativa era o estudo de caso e a investigação arqueológica do indivíduo, os recursos atuais da neurociência, da informática e do emprego de técnicas estatísticas, tornaram possível testar hipóteses de multicausalidade, que hoje são empregadas na psiquiatria para explicar distúrbios como a esquizofrenia, depressão e síndrome do pânico.
Fatores psicológicos, culturais, sociais e biomédicos interagem entre si e influenciam a etiologia, curso e evolução dos transtornos psico-emocionais. Não há mais espaço para explicações reducionistas biológicas ou psicológicas. A combinação de medicamentos e psicoterapia abrevia e reduz a frequência de episódios de vários transtornos psico-emocionais.
Pode-se considerar má prática dos profissionais de saúde mental privar os pacientes dos benefícios desse tratamento. As terapêuticas empregadas em psiquiatria devem ser recomendadas quando compatíveis com resultados obtidos em pesquisas bem desenvolvidas, do ponto de vista crítico-metodológico.
Caminha-se, assim, para uma atividade clínica sujeita a mudanças que, baseando-se em fatos e evidências, vai cada vez mais se distanciando dos dogmas e das velhas crenças.

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