São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Real: boas perspectivas

ANTONIO KANDIR

Na história do Real, agosto de 1995 vai ficar como um mês importante. Vejamos por quê.
Nove meses atrás, dezembro de 1994, ocorria a crise cambial mexicana. O impacto da crise sobre os fluxos internacionais de capital, antes claramente favoráveis, apontou na direção de dificuldades crescentes de financiamento externo para economias de países emergentes. Muito especialmente para países que seguissem trajetória igual ou assemelhada à do México, ou seja, de estabilização com câmbio fixo e déficits continuados em transações correntes.
A crise colheu-nos com reservas internacionais robustas, mas às voltas com dois problemas sérios: incertezas quanto à política de câmbio e sinais crescentes de superaquecimento do consumo.
Frente a esse quadro, tornou-se inevitável que, mais cedo ou mais tarde, o governo iniciasse um movimento de desvalorização nominal do câmbio associado a medidas de contenção do consumo. Tratava-se de retirar o Plano Real, com antecipação, da rota que levou o Cruzado ao naufrágio.
Os erros cometidos no primeiro ato do movimento de desvalorização nominal do câmbio, em março deste ano, determinaram uma elevação exagerada das taxas de juros, acima do que se exigiria não tivesse a elevação dos juros também o fim de recuperar a atração sobre capitais externos de curto prazo.
A despeito do erro inicial, as dificuldades desse quadro foram sendo superadas à medida que: i. não se confirmavam as previsões catastrofistas de que a crise mexicana era o prelúdio de uma crise mais ampla (não obstante persistam dificuldades no México e em outros países mais diretamente afetados); ii. o Brasil diferenciava-se das experiências de estabilização com câmbio fixo, sem, no entanto, mandar pelos ares a âncora cambial, e o governo do presidente Fernando Henrique dava mostras de capacidade política de aprovar reformas, permitindo ambas as coisas com progressiva recomposição das reservas internacionais; iii. as medidas de contenção ao crédito reduziam o nível de atividade e diminuíam as pressões sobre a balança de pagamentos (com custo mais elevado do que teria sido necessário não tivesse ocorrido o tropeço cambial de março).
O mês de agosto marca a consolidação da vitória sobre as dificuldades mais agudas decorrentes da combinação de crise externa e superaquecimento do consumo doméstico. Mas não é apenas isso. O mês de agosto assinala o êxito na superação de outro obstáculo: o reajuste de contratos no aniversário de 12 meses do Real, cujos efeitos se fizeram sentir nos índices de preço em julho, sem que, no entanto, se estabelecesse novo patamar de inflação. Ao contrário, em agosto assistimos à forte desaceleração dos preços, com o índice Fipe caindo de 3,72% para 1,43%.
O comportamento da inflação em agosto aponta a tendência dos próximos meses: índices em torno de 1%, com acentuada queda de preços no caso de dois "vilões do primeiro ano do Real, aluguéis e serviços (no caso destes, notícia particularmente boa para a classe média).
Abre-se assim perspectiva favorável a que avancem três processos fundamentais para a estabilização e a retomada sustentada do desenvolvimento econômico: i. redução das taxas de juros, movimento já iniciado pelo Banco Central (a "taxa efetiva over voltou a patamar muito próximo ao de janeiro deste ano); ii. alongamento das aplicações financeiras, movimento também já iniciado com a definição do perfil dos novos fundos de renda fixa; iii. desindexação da economia, para o que a atuação do Congresso será importante.
Convém anotar que esse cenário permaneceu até aqui de certo modo obscurecido pelas turbulências que dominaram a cena política em agosto, quando houve quem imaginasse estar o governo em maus lençóis, necessitado de aprovação imediata das reformas e carente de sustentação política no Congresso.
Há engano nessa visão. Como já escrevi em artigos recentes nesta coluna, o tempo das reformas constitucionais é mais dilatado do que se supõe. A estabilização e a retomada do desenvolvimento não dependem da aprovação imediata de todo o estoque de reformas e a conjuntura econômica, até onde os olhos alcançam, é favorável ao governo do presidente Fernando Henrique. O ônus político, portanto, será de quem regateia apoio por conta de interesses específicos.

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