São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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O fim do país do jeitinho

LUÍS NASSIF
O FIM DO PAÍS DO JEITINHO

Nos anos de chumbo do governo Sarney, com a malandragem campeando em todos os níveis, fortunas sendo forjadas da noite para o dia às custas de manobras cambiais e de jogadas em Bolsa, encontrei-me com um amigo acabrunhado. "Creio que estou cometendo um crime contra meus filhos", lamentava-se ele. "Estou ensinando a eles princípios morais, que meus pais me ensinaram. Quando eles caírem nessa selva em que se transformou nosso país, vão ser devorados como cordeiros indefesos".
Na época, não havia brasileiro sério que não enfrentasse esse dilema. O que é um país se não a soma de princípios éticos e culturais que sucessivas gerações vão legando a seus sucessores.
A soma Brasil tinha resultado em quê? Nos quatro cantos do mundo, na imagem de um país de malandros, sem princípios éticos, sem regras institucionais. A consagração da malandragem era uma ofensa à memória de todos nossos antepassados.
E não era só no ambiente estatal. No campo privado, grande parte das relações comerciais baseava-se na mesma lógica da esperteza.
Em qualquer negociação, um lado sempre procurava tirar vantagem do outro, ainda que em cima de pontos irrelevantes, como prova de esperteza.
Era a derrota de parte do país que procurava defender princípios éticos nas relações públicas e privadas, o respeito ao próximo, a valorização da ética do trabalho.
Atrás do sério
Há cerca de um ano, um grupo de brasileiros radicado em Miami desabafou com o colunista. "Aqui, perder um dólar é mais fácil do que ganhar 50 cents", diziam, para desfazer a impressão de que teriam ido "fazer a América".
Mudaram-se do país para dispor de previsibilidade, para poder educar os filhos em um ambiente que privilegiasse a seriedade nas relações pessoais, a ética do trabalho, o respeito aos cidadãos pelo poder público.
Alguns anos depois, as profundas transformações por que passam a sociedade e a economia brasileira mudam o tom da conversa.
O novo ambiente consagra princípios como a terceirização e a parceria, relações onde é imprescindível a confiança entre as partes. No âmbito interno das empresas mais modernas, os programas de qualidade e produtividade passam a exigir cada vez mais a aliança com os trabalhadores, o reconhecimento de seus direitos de cidadãos, como a capacidade de ouví-los, de conquistar sua adesão e de proporcionar-lhes participação em resultados.
Daqui a alguns anos, nove em cada dez empresas bem-sucedidas terão percorrido esse caminho. A questão é que quem não dispuser de um nome honrado não terá espaço nesse novo mundo. É a revanche dos sérios.
Lembrança
Na semana em que se comemora a Pátria, e se aposta em um novo país, peço licença para uma menção à lembrança de meu pai Oscar Nassif, e de meu avô Issa Sarraf que, mesmo submetidos a pressões e necessidades, jamais transigiram.

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