São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Os impasses do projeto utópico

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o conceito de utopia, em séculos passados, já definiu o projeto de sociedades perfeitas, hoje precisa se contentar com conteúdos bem mais modestos: um projeto político para resolver questões atuais ou o afastamento do mundo, em direção à literatura e à filosofia.
Foram estas as possibilidades encontradas no debate entre o antropólogo, escritor e senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ) e o psicanalista e escritor Rubem Alves, no último dia 29. O debate fez parte do ciclo "Diálogos Impertinentes", promovido pela Folha e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Darcy Ribeiro analisou a utopia como algo bastante concreto e atual: comida, emprego e educação para todos. Para isso, propôs lutar contra a "colonização" à qual o Brasil está submetido.
"Vem uma nova civilização aí. Se não estivermos ativos, claros, lúcidos e utópicos, nos colonizarão", afirmou o senador, incluindo o nacionalismo em sua definição de utopia.
Rubem Alves, ao contrário de Darcy Ribeiro, recusou qualquer idéia de utopia coletiva. O psicanalista insistiu na liberdade individual de pensamento como cerne de seu projeto utópico.
"Eu sonho com uma utopia em que as pessoas de idéias diferentes não sejam acusadas de burras, estúpidas e reacionárias... Eu quero defender o meu individualismo, o meu direito de pensar."
O contraste entre as formulações conduziu a discussão para o seu ponto de maior divergência: o papel dos intelectuais.
Rubem Alves defendeu a solidão e o afastamento em relação ao mundo da política. Para ele, a influência por meio da palavra escrita é a única função possível. Literatura que muda "as visões, as imagens, as maneiras de pensar".
O psicanalista disse temer o conteúdo totalitário das utopias. "As grandes ditaduras não foram feitas por pessoas cruéis, mas por pessoas que falavam em nome do povo e diziam haver descoberto qual era o desejo do povo."
Dessa constatação, retirou uma crítica radical à política e aos políticos: os partidos reprimem divergências e encurralam a liberdade.
Darcy Ribeiro, ele mesmo um político, reagiu com a mesma veemência. "Isso é conversa. (...) A canalhada quer manter a ordem social que é vantajosa para ela, que é lucrativa para ela, e ela tem que ser vencida politicamente."
Para Darcy, os intelectuais têm se recusado a assumir o papel de formuladores de um projeto próprio para o país. Estão "desinteressados" dos destinos do povo.
Fundador da Universidade de Brasília, o senador deu um exemplo do que considera uma ação a favor da utopia: está criando agora, no Rio de Janeiro, o que chama de "Universidade do Terceiro Milênio", destinada ao desenvolvimento de ciência e tecnologia.
Recusando a política, Rubem Alves pôde fazer o elogio da "beleza", além dos limites da ideologia: "As coisas belas não têm cor ideológica. Para dizer a verdade, a direita está produzindo umas coisas fantásticas, música, arte. A direita é uma fazenda que não me pertence, eu não quero estar lá, mas tem muita coisa bonita que nasce lá dentro."
Darcy Ribeiro completou o quadro da fazenda direitista desenhada por Rubem Alves, para recusá-la: "Tem também menina prostituída, criança com fome, raiva. Deixa disso, Rubem".
O debate teve a mediação de Caio Túlio Costa, diretor de Revistas da Folha, e Mário Sérgio Cortella, professor do departamento de teologia da PUC-SP. Foi transmitido, ao vivo, pela TV PUC, por meio do canal 33 da rede de TV a cabo NET.
No próximo debate, no dia 26 deste mês, o filósofo José Arthur Giannotti discute com o escritor Frei Betto o tema "Religiões". Em 31 de outubro, o tema "Inteligência Artificial" reúne o professor Claudio Lucchesi e o educador Paulo Freire e, em 28 de novembro, o geógrafo Milton Santos e o ex-governador do Amazonas Gilberto Mestrinho discutem "Fronteiras".

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