São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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A pesquisa sem papel

ROBERT MATTHEWS
DA "NEW SCIENTIST

Todos os dias, milhares de cientistas visitam o escritório de Paul Ginsparg, um físico teórico no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México (EUA).
Felizmente para Ginsparg, a maioria dos visitantes não fala com ele pessoalmente, mas se comunica com um pequeno computador situado sob sua mesa.
Querem saber as últimas descobertas em áreas tão diversas como economia e partículas de alta energia em física.
Entretanto, esses diálogos eletrônicos não se resumem a provocações típicas de inúmeros contatos pela rede de computadores Internet. São um sintoma do que poderá ser uma das maiores mudanças da ciência.
Desde Isaac Newton, a pesquisa científica só foi seriamente considerada após passar por um processo conhecido como revisão pelos pares ("peer review).
Isso significa submeter as descobertas da pesquisa, em forma de documento escrito, a uma publicação especializada.
A dissertação é a seguir enviada a especialistas no assunto, que dizem ao jornal se o artigo é publicável. O processo pode demorar meses, até anos. Basta ser examinado por um obstinado para um trabalho brilhante correr o risco de jamais ver a luz do dia.
Mas é só enviar o trabalho para o computador de Ginsparg para conseguir uma audiência potencial de milhões de pessoas. Qualquer um pode contribuir, e qualquer um pode ler o trabalho.
O computador de Ginsparg permite que se veja a ciência avançar a olhos vistos. Basta acessá-lo (no "endereço http://www.lanl.gov/ da WWW, a rede multimídia da Internet) e, com o cursor, apontar o assunto escolhido.
Mais alguns cliques de mouse e pode-se ler o texto de uma pré-impressão -"pre-print, ou rascunho final do trabalho.
O serviço de publicação eletrônica de Ginsparg começou em 1991 para trabalhos de física de alta energia. Agora o computador de Ginsparg permite o acesso às últimas descobertas em 20 disciplinas.
Em março deste ano, a idéia havia provocado tamanho interesse, que a Fundação Nacional de Ciência dos EUA ofereceu a Ginsparg US$ 1 milhão para transformar sua indústria de fundo de quintal em um serviço oficial.
"A maneira como lidam com as análises das dissertações é totalmente inepta e, em consequência, há atrasos que não beneficiam ninguém, diz o físico.
Para alguns, está mais que na hora de abandonar o processo convencional de críticas por pares, com seus julgamentos tacanhos que podem promover alguns ou enterrar a pesquisa de um rival.
Mas, para Stevan Harnad, professor de psicologia na Universidade Southampton e editor do jornal eletrônico "Psicoloquy, toda essa conversa não é apenas ingênua, mas fatal para a ciência. Sem julgamentos formais, ele alerta, cientistas podem se afogar num mar de pesquisa duvidosa.
Até agora, o arquivo de Ginsparg manteve um alto nível. Mas isso é ilusório, diz Harnad. "Todas estas pré-impresssões estão destinadas a aparecer em revistas ou jornais científicos -a invisível mão do julgamento de pares anônimo continua agindo.
Mas, se as publicações tradicionais que apóiam tal sistema desaparecerem, alerta Harnad, a qualidade do serviço de pré-impresssão eletrônico despencaria para níveis equivalentes à média da correspondência da Internet.
"Algumas pessoas supõem que outros farão sacrifícios para analisar e julgar seus trabalhos como fazem agora, mas não dá para conseguir que a Internet analise e julgue seu trabalho, diz.
É a coexistência do velho com o novo que torna enganoso o atual sucesso da inovação de Ginsparg. Para cientistas desejosos de adquirir credibilidade hoje em dia, não há outra saída a não ser as publicações respeitáveis.
Para alguns, esse é um dos piores aspectos do sistema. Trabalhos brilhantes, mas não ortodoxos, podem ser rejeitados por anos.
A publicação eletrônica não é tão convencional. Seus defensores afirmam que oferece a possibilidade uma "publicação contínua" abrangendo tudo -de idéias soltas até dissertações completas rigorosamente analisadas.
Defensor de jornais eletrônicos, o matemático Andrew Odlyzko, dos Laboratórios Bell da AT&T, tem uma idéia de como seria, no futuro, um jornal eletrônico. Consistiria em uma série de endereços na Internet, para os quais cientistas enviarão trabalhos.
Cada jornal teria um editor com amplo conhecimento da área. Isso evitaria que o sistema ficasse entulhado de provas mirabolantes que a terra é chata. Além disso, haveria uma política de "não-retirada. Uma vez colocado no sistema, o trabalho ficaria lá -não importando quão embaraçoso possa ser. Isso, diz Odlyzko, obrigaria os cientistas a pensar duas vezes antes de enviar qualquer idéia.
O computador colocaria um selo com a data em cada contribuição, indicando quem a enviou e quando. Depois disso, a contribuição ficaria disponível.
Odlyzko acredita que, para aumentar o número de pessoas dispostas a comentar, deve ser permitida tanto a contribuição anônima quanto a não-anônima. O anonimato protegeria os que sentiriam constrangimento ao apontar erros grosseiros no trabalho de colegas.
Depois de haver um número razoável de comentários, os autores poderiam apresentar revisões do trabalho. Mas, como Harnad, Odlyzko acredita que deve haver um processo de análise para assegurar a uniformização do nível.
A questão de manter alta qualidade acadêmica pode dar aos editores de publicações um meio de sobreviver na era eletrônica.
Segundo Harnad, os editores de publicações típicas não pagam nem os contribuintes nem os pares que julgam. Em vez disso, prometem a difusão da pesquisa e conseguem lucro com assinaturas.
Mas a publicação eletrônica permite a difusão praticamente gratuita, universal e instantânea. Então, por que alguém pagaria por algo que poderia conseguir de graça? As únicas vantagens que publicações em papel oferecem são a qualidade e o processo de julgamento.
Assim, os editores tradicionais, declara Harnad, só garantirão esse nicho ao conservar a qualidade da pesquisa. Ele propõe que os editores sejam empregados para organizar os julgamentos dos trabalhos, mas que as análises não sejam pagas. Os editores não obteriam lucro das assinaturas, mas ao cobrar dos autores o direito de aparecer nos jornais eletrônicos onde seus trabalhos foram julgados.
Até agora, a maioria dos editores optou pela atitude de "esperar para ver. Mas, na opinião dos profetas da eletrônica, editores tradicionais correm o risco de ficar para trás.

Tradução de Lise Aron

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