São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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As castas do lixo mundial

CLAUDINÊ GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE GENEBRA

O físico da USP José Goldenberg, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e da Educação, lança em Genebra (Suíça) neste mês "Energia e meio ambiente nos países em desenvolvimento, primeira visão global de um cientista do hemisfério sul sobre os grandes problemas ecológicos.
Para redigir o livro, em inglês, o professor aposentado da USP, voltou a ser bolsista como se estivesse no início da carreira: passou seis meses em Genebra, a convite da Academia Internacional do Meio Ambiente, vinculada à Universidade de Genebra.
"Eles já publicaram várias obras sobre os grandes problemas ecológicos, mas nada havia sido feito nessa área fundamental da energia. Ora, metade dos problemas ambientais se originam do uso de energia, explica o professor, em seu pequeno escritório na Aima, em meio a um parque arborizado e cheio de pássaros na periferia de Genebra.
*
Folha - Qual a primeira constatação de seu livro?
José Goldemberg - Existe um grande mal-entendido entre o discurso e as expectativas dos países industrializados e dos países em desenvolvimento.
Nas regiões desenvolvidas, a poluição é produzida pela riqueza e, na maioria do planeta, a poluição é produzida pela pobreza. Ricos e pobres poluem, mas de maneira diferente.
Folha - Como assim?
Goldemberg - Uma das coisas que mais chocam o europeu ou o americano no Terceiro Mundo é o problema do lixo.
Parte importante da população nem sequer tem recursos para eliminar o próprio lixo que produz. Ao contrário, o que mais impressiona no Primeiro Mundo é a limpeza. Parece que o lixo desaparece por magia!
Os problemas ambientais do Brasil têm a ver com a pobreza e o problemas ambientais da Suíça têm a ver com a riqueza.
Folha - O que isso quer dizer?
Goldemberg - Existem três níveis diferentes de poluição: global, regional e local. Na área energética, a poluição global é causada pela queima de combustíveis fósseis. Essa é a grande preocupação dos países ricos e é aí que eles aplicarão os recursos, na reconversão de formas de energia.
Existe, por exemplo, atualmente, uma grande preocupação com a China, que produz energia à base de carvão. Na forma atual, o crescimento econômico da China vai produzir poluição global, quer dizer, também no Japão, Estados, Unidos e Europa. Por isso, a China vai obter financiamentos de reconversão e transferência de tecnologias menos poluentes.
Folha - E onde está o mal-entendido?
Goldemberg - Na distribuição de recursos para o meio ambiente. Tem gente pensando que sim, mas os países ricos não estão nem um pouco preocupados com a poluição do rio Piracicaba, com a despoluição da Baia de Guanabara ou com o saneamento de uma favela. São problemas locais ou regionais, que terão de ser resolvidos pelas administrações respectivas. Essa é uma das conclusões do meu livro.
Folha - Os países do sul também são distintos?
Goldemberg - Sem dúvida, depende do grau de desenvolvimento. Esse é outro aspecto do meu livro. Na análise de soluções para o problema energético, procurei determinar o que é característico dos países em desenvolvimento.
Em muitos países africanos, apesar da desertificação, continua sendo necessário cortar árvores simplesmente para cozinhar. No Brasil, o gás de cozinha é acessível a todos. Outra particularidade nossa: é indiscutível que teríamos muito mais poluição urbana sem os carros a álcool.
Folha - O que é mais urgente em matéria de meio ambiente, atualmente?
Goldemberg - Abandonar o ciclo do carbono. Praticamente toda a energia que nós usamos provém de uma reação química que produz CO2 (gás carbônico).
Temos de descarbonificar o sistema energético mundial, usando energia hidrelétrica, e estimular as chamadas energias alternativas, que ainda são caras mas que vão ficar baratas.
Aí sim, poderia haver acordo entre países pobres e ricos para acelerar certas tecnologias como a energia solar, eólica, etc.
Folha - Alguns ecologistas afirmam que é preciso mudar o modo de vida, que os chineses, indianos e africanos não poderão andar de automóvel porque o planeta será asfixiado.
Goldemberg - Acho que esse é um argumento neocolonialista, destinado a preservar privilégios. Politicamente, é impossível negar o desenvolvimento e, com o fim das ditaduras e os meios de comunicação atuais, não haverá força humana capaz de impedi-lo.
Mas é indispensável criar alternativas mais racionais no uso da energia. Por exemplo, ampliar e aprimorar cada vez mais o transporte coletivo, dissuadindo o uso do transporte individual.
Esse caminho já está sendo feito. Tive de morar em Genebra, por exemplo, para descobrir que o automóvel não é indispensável. Tenho carro, mas só uso nos fins- de-semana. No centro da cidade é proibido estacionar. Viajo de trem e posso acertar o relógio com o horário do ônibus que me traz ao trabalho diariamente.

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