São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Guerrilha recruta argelinos em Paris

VINICIUS TORRES FREIRE
DE PARIS

Bombas-relógio feitas de panelas de pressão e botijões de gás cheios de pregos e porcas foram detonadas pela energia de pilhas de rádio e baterias de motocicleta.
Esse equipamento serviu para matar sete pessoas e ferir outras 121 nos seis ataques terroristas deste ano na França. O saldo poderia ter sido pior. Precárias, três das bombas não explodiram.
Num descuido crítico, que poderia ter passado por frieza, um analista da TV francesa chegou a dizer, ao vivo: "Estes novos terroristas são muito medíocres".
Segundo a polícia francesa, os atentados estão sendo cometidos por gente "amadora e pobre", de grupos diferentes, sem comando centralizado.
Todos eles seriam ligados ao GIA (Grupo Islâmico Armado), a guerrilha fundamentalista islâmica que pretende impedir a eleição presidencial argelina, marcada para 16 de novembro, e que luta para derrubar o governo militar do país.
Em três anos e nove meses, a guerra civil na Argélia já matou cerca de 35 mil pessoas.
A necessidade de abastecimento de armas e as disputas de poder e prestígio entre as facções do GIA teriam estendido a guerra à França.
Toda essa história começa com o golpe militar de 1992 na Argélia (leia texto abaixo), que colocou na ilegalidade a FIS (Frente Islâmica de Salvação, partido vencedor do primeiro turno das eleições, em dezembro de 1991).
Os líderes da FIS que assumidamente não partiram para a luta armada estão hoje na cadeia.
Um deles, o imã (líder religioso) Ahmed Zahraui, foi assassinado em julho, em Paris.
Zahraui sustentava que a guerra argelina não deveria se estender para a França, o maior parceiro comercial dos argelinos. Até 1962, o país era colônia francesa.
Os principais partidos argelinos vão boicotar a eleição, considerada um meio de legitimar o governo do general Liamine Zéroual.
O regime impôs regras que dificultam a participação dos partidos, que não os seus, no pleito do fim do ano. Manifestações tidas pela imprensa francesa como forjadas começaram nesta semana a "pedir" a candidatura de Zéroual.
O golpe de 1992 transformou militantes do partido islâmico e as gangues de jovens desempregados e delinquentes dos bairros e vilas pobres da Argélia nos guerrilheiros do GIA.
Hoje, o GIA recruta militantes na periferia de Paris e se abastece de armas por intermédio de uma rede que atravessa a Alemanha, Suécia, Suíça e Bélgica.
Nenhuma prova objetiva foi recolhida até agora pela polícia francesa para sustentar, com precisão, o que os franceses chamam de "a pista islâmico-argelina" da autoria dos atentados.
No entanto, todos os suspeitos, indícios e interpretações conduzem à Argélia. Todas as bombas foram construídas segundo um modelo utilizado pelo GIA na Argélia.
Um vídeo de 1992, apreendido pela polícia em um subúrbio de Paris, ensinava como construir bombas com botijões de gás.
O vídeo mostrava jovens argelinos fundamentalistas islâmicos fazendo as bombas.
Um dos suspeitos relacionados até agora aos atentados, Abdelkrim Deneche, edita um jornal que divulga as ações do GIA em Estocolmo, capital da Suécia, onde está preso, acusado de "ligação com terroristas".
A França quer a extradição dele, até agora negada pelos suecos, que aceitam um álibi apresentado por Deneche para provar que não estava em Paris no dia do atentado do metrô, o primeiro da série, no dia 25 de julho.
Ontem, a polícia francesa disse ter identificado um segundo suspeito. Seria o árabe Khaled Kelkal, cujas impressões digitais teriam sido encontradas em uma bomba que falhou no momento de explodir em um trem, perto de Lyon.

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