São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Pílulas ou psicanálise?

"Mutatis mutandis", foi essa a pergunta que a Folha propôs em sua página três de ontem. Seria obviamente um exagero desmedido afirmar que a psicanálise está com os dias contados, mas parece inegável que os avanços no campo da psicofarmacologia vêm, como previu o jovem Freud, ocupando cada vez mais um espaço que era antes dominado pela psicanálise.
Não importa aqui vaticinar sobre o futuro das duas abordagens de terapia -que, de resto, não são excludentes-, mas sim tentar analisar os impactos desses avanços científicos sobre a saúde pública.
Até os anos 50 os hospícios eram muito mais uma espécie de cadeia do que um centro de tratamento. As pessoas com personalidade psicótica eram colocadas nos asilos não para se recuperar, mas para ficar isoladas da sociedade, pois podiam desenvolver atitudes hostis. A descoberta dos primeiros neurolépticos permitiu que muitos desses pacientes se reintegrassem à sociedade, levando vida quase normal.
Atualmente, as novas drogas vêm avançando sobre a outrora seara quase exclusiva da psicanálise: o tratamento das neuroses. Fármacos ansiolíticos e antidepressivos podem não resolver de fato todas as angústias e traumas que se escondem sob a alma humana, individual e complexa, mas têm o mérito de pelo menos aliviar sintomas que perturbam -se não inviabilizam- a vida de muitas pessoas.
O tratamento psicanalítico pode até mesmo ser mais eficiente, no sentido em que procura a causa individual de um mal individual de uma pessoa única. Mas submeter-se a sessões de psicanálise é privilégio de uma elite que dispõe de tempo e dinheiro, num tratamento que pode durar anos. As drogas, mesmo considerando que muitas delas sejam ainda caras, possibilitam o relativo alívio de sintomas num período mais curto que o psicanalítico.
O avanço da psicofarmacologia abre a perspectiva de que a enorme massa de excluídos que hoje trata seus traumas a cachaça e espasmos de violência tenha enfim acesso a um método científico de terapia. Distúrbios psíquicos e emocionais não são, afinal, privilégio dos ricos.

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