São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Antonio Gades bandeira do flamenco

ANA FRANCISCA PONZIO

"Todos têm direito de dançar: gordos, altos, baixos, velhos... A dança é patrimônio de todos, não só dos que têm corpos maravilhosos"
Antonio Gades e sua companhia de dança inauguram hoje, em Buenos Aires, a turnê sul-americana que prossegue no Brasil a partir do dia 19. Aos 58 anos, o renovador do flamenco continua magnetizando platéias. Acaba de criar o espetáculo "Fuenteovejuna", baseado em obra de Lope de Vega (escritor espanhol do século 15), que será mostrado em oito cidades brasileiras, junto com "Carmen".
Comunista convicto, Gades chegou à Argentina saído direto de Cuba, que considera seu segundo lar. Com seu cachorro de estimação, o pastor alemão "Tronco", ficou hospedado em Havana por mais de um mês, numa casa com piscina cedida por seu amigo Fidel Castro, que Gades considera um eterno revolucionário. Cercado de amigos, convalesceu rapidamente da cirurgia de vesícula, simples mas de emergência, que o obrigou a adiar a estréia no Brasil.
Nascido na província espanhola de Alicante, Gades transformou o flamenco, dança de origem cigana, em uma arte requintada, cuja plasticidade conquistou a admiração de pintores como Miró e Antoni Tápies. De Havana, Gades falou com exclusividade à Revista da Folha, por telefone.

Por que você quis ser toureiro antes de se dedicar à dança?
Comecei a trabalhar com 11 anos, como garoto de recados num estúdio de fotografia. Naquela época, eu simplesmente queria ser algo. Gostava muito de touradas, por isso pensei em ser toureiro, mas também imaginei que poderia ser boxeador, ciclista ou jogador de futebol.
Como você descobriu a dança?
Foi mera casualidade. Era filho de operário e, na época, os colégios e universidades eram inacessíveis à minha classe social. Para fugir à sina de seguir a profissão de meu pai, comecei a dançar em cabarés. Tinha 16 anos e, por felicidade, alguém me viu e me recomendou a Pilar López, mestra do flamenco, que me convidou para trabalhar com ela. Em um ano, Pilar me transformou em primeiro bailarino de sua companhia.
Você renovou o flamenco. Como foi esse processo?
Não fiz nada mais do que devolver ao flamenco sua essência verdadeira. Achava que devia recuperar a maravilha e o mistério do flamenco, cuja estética e ética estavam sendo deturpadas. Mergulhei nas raízes, eliminei apelos falsos e inúteis, porque não concordava com o flamenco para turistas, como vinha sendo feito, que para mim significava uma prostituição da cultura espanhola.
Qual o principal fundamento de sua dança?
É simples. Sou contra as companhias com bailarinos iguais, todos virtuosos, mesma estatura, mesmo peso. Acho que é preciso humanizar a dança, que é um estado anímico do ser humano. Todos têm direito de dançar: gordos, altos, baixos, velhos, jovens, calvos, cabeludos. A dança é patrimônio de todos nós, não só daqueles que têm corpos maravilhosos. Por que você visita Cuba com frequência?
Primeiro porque, por princípio, estou solidário e perfeitamente de acordo com a revolução cubana. Segundo, porque tenho muitos bons amigos em Cuba, que é um país maravilhoso, com um povo simpático, rica cultura, bela paisagem e um clima com o qual me dou muito bem. Sempre que tenho uma pausa no trabalho venho para Cuba, onde tenho meu repouso de guerreiro.
Como você vê o futuro de Cuba?
Para garantir um futuro melhor ao país, não temos que exigir nada do governo nem do povo cubanos. O que temos de fazer é pedir o rompimento dos bloqueios externos. O mundo tem que deixar Cuba em paz. Devemos lutar contra a nova ordem que querem impor à cultura cubana. Cada povo tem o direito de escolher sua própria filosofia de vida. Os Estados Unidos deveriam desistir de interferir numa ilha tão pequena, que não se mete com nada.
Você casou duas vezes, quatro de seus cinco filhos são mulheres e, no balé, criou obras-primas protagonizadas por mulheres. Qual a importância das mulheres em sua vida?
A vida, para ter luz, precisa de duas polaridades. Eu sou uma, se não tenho a mulher, que garante a outra, a luz não se acende.

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