São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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Futebol é um simulacro do jogo da vida

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O futebol, talvez por ser um simulacro do jogo da vida, tem duas faces.
Uma, escura, autoritária, fascistóide mesmo, que cultiva a macheza, o espírito de competição acima de tudo, o conceito de superioridade indiscutível de um sobre o outro, a vitória a qualquer custo.
Outra, solar, democrática, lúdica, estimula a confraternização, tanto no campo quanto nas arquibancadas, o espírito de solidariedade como forma de se praticar um futebol associativo, mas preservando as graças da individualidade, e para quem a vitória é apenas o melhor dentre três resultados possíveis.
Aquela se expressa no riso alvar; esta, no sorriso alvo, no instante de glória. Mas, entre ambas, sempre haverá uma zona imprecisa onde uma e outra se confundem. E é aqui que deixo tais firulas para entrar no fato do dia.
Ontem, na Gávea, o radialista esportivo Washington Rodrigues, o Apolinho, surpreendentemente, assumiu a direção técnica do Flamengo, de Romário, Edmundo e Sávio. Aqui, o técnico Telê pediu um plebiscito popular e uma votação secreta entre os jogadores para saber se ainda o querem no Morumbi.
Não vou arriscar dizer que Washington será a salvação ou o desastre final do Flamengo montado pelo também ex-radialista Kleber Leite sobre um frágil, mas aparatoso esquema de marketing.
Confesso não saber as aptidões do novo treinador para as suas funções, embora a história relate, pelo menos, quatro exemplos bem sucedidos: Vittorio Pozzo, bicampeão mundial (34/38) pela Itália; Cândido de Oliveira, que dirigiu o Benfica e a seleção portuguesa nos anos 40/50; Joreca, que montou a célebre Máquina de Costura do São Paulo de Leônidas, Sastre, Rui Bauer e Noronha; e o nosso saudoso João Saldanha, responsável pelo campeoníssimo Botafogo de Didi e Garrincha, e, mais tarde, da seleção que se classificou para o tri do México.
O que sei é que Washington promete uma co-gestão, no estilo que foi adotada por aqui pelo Corinthians de Sócrates e Vladimir, no raiar da década de 80. Jogadores, diretores e técnico haverão de decidir quais os destinos do time. A idéia é solar, mas as personagens movem-se nas sombras. Então, caímos naquela zona cinzenta à qual me referi antes.
Assim como o plebiscito de Telê: nunca, nenhum treinador teve tal despreendimento, mostrando tanto apreço pela opinião dos outros, seja torcida ou jogador.
Os jogadores, simplesmente, abdicaram da eleição, embora com direito a voto secreto, argumentando que as possíveis diferenças serão eliminadas através de um papo franco e aberto com o técnico. A torcida, se tiver juízo, haverá de aclamar o técnico que lhe deu o bicampeonato mundial. Ora, de posse de tais resultados, Telê, que já é senhor absoluto do São Paulo, verá seus poderes elevados aos céus. Não seria mais prático e democrático Telê simplesmente abrir aquele sorriso alvo que vive escondendo sob a carranca fechada e levar dois dedinhos de prosa com o elenco?

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