São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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'Ladrão de Sonhos' aposta nos efeitos

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ladrão de Sonhos" é o filme recordista francês em efeitos especiais. Tem 17 minutos de trucagens, contra, por exemplo, 8 minutos de "Parque dos Dinossauros", de Steven Spielberg.
O filme, que estréia sexta-feira em São Paulo e no Rio, é a segunda produção dos franceses Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, os diretores de "Delicatessen". Como no filme anterior, eles apostam sobretudo na criação de cenários, figurinos e personagens esquisitos.
Em "Ladrão de Sonhos", Jeunet e Caro criam um universo infantil fantasmagórico inspirado na história de Pinóquio (nesta, para quem não se lembra, os meninos maus se transformam em burros, entre outras fantasias).
"Ladrão de Sonhos" se passa numa cidade portuária sem época nem lugar definidos, criada em um cenário de 4.000 metros quadrados. Jeunet e Caro, a partir do sucesso de "Delicatessen", tiveram um orçamento de US$ 25 milhões para a realização deste segundo filme (o primeiro foi feito com US$ 2 milhões).
"O cenário do filme era grande, mas precisava dar a idéia de que estávamos numa cidade marítima, em um porto. Então misturamos fotomontagens e imagens de porto com as cenas gravadas", disse Antoine Sinkine, 33, produtor de efeitos especiais da Duboi, empresa francesa que trabalhou no filme.
Há cinco anos, a Duboi desenvolve seu próprio software para efeitos especiais computadorizados em cinema. A empresa foi também responsável pelos efeitos do filme francês de maior bilheteria: "Les Visiteurs". "Já fizemos mais de 30 filmes, entre eles filmes pequenos e não-hollywoodianos. Filmes de orçamento pequeno, como 'Delicatessen' ".
"O software que permite fazer a mistura das imagens foi concebido e realizado na nossa empresa. As soluções que existiam no mercado não eram viáveis, não funcionavam tão bem para a quantidade de efeitos que queríamos, ou custavam muito caro em relação ao orçamento de que se dispõe na França para fazer um filme. As companhias de efeitos especiais de Hollywood têm três ou dez vezes mais dinheiro para um filme que nós", disse Sinkine, que falou à Folha por telefone, de Paris.
Mas os efeitos não se resumem a fazer a cidade parecer real. Nela vive, por exemplo, uma "tribo" de ciclopes. Na mitologia, o ciclope é um gigante com um só olho na testa. No filme, os ciclopes são cegos com um olho mecânico que lhes permite ver o mundo como se eles fossem uma câmera de vídeo.
Os ciclopes são fanáticos religiosos que usam o terceiro olho para ver o "mundo das aparências". Todas as imagens vistas por eles foram criadas pela Duboi.
A empresa também é responsável por todas as cenas em que os clones, interpretados por Dominique Pinon (leia entrevista abaixo), aparecem juntos.
"Ficamos muito orgulhosos. Foi uma conquista fazermos isso em um prazo relativamente reduzido e num orçamento que não era colossal. Porque era imprescindível que não se vissem os efeitos, que quando as pessoas vissem o clone não dissessem: 'Olha, está trucado'. Isso é um sucesso. As pessoas perguntavam a Dominique Pinon se ele não tinha irmãos gêmeos", disse Sinkine.
"Com outra empresa, a BUF, que trabalha com imagens de síntese, fizemos as cenas em que se vê a pulga, a cena em que Miette fica velha e Krank fica criança e também a do sonho que escapa da garrafa", contou Sinkine.
São 144 planos trucados que somam 17 minutos de filme. "Não foi tão difícil em termos da complexidade dos efeitos, mas em termos da quantidade, porque trabalhar sobre quase 150 planos é colossal. Até agora, nos outros filmes, trabalhávamos no máximo sobre 20 ou 30 planos."
Para finalizar "Ladrão de Sonhos", a Duboi trabalhou cerca de cinco meses na pós-produção. "Mas um ano antes de começar as filmagens, portanto cerca de dois anos antes de ser lançado, Pitof (diretor de efeitos especiais, que supervisionou e criou os efeitos do filme) começou a conversar com Carot e Jeunet. Trabalhamos também na preparação durante muitos meses, antes de o filme começar, e nas filmagens ficamos 56 dias dos cem em que o filme foi rodado."
O resultado é impressionante e a qualidade técnica, impecável. A crítica exaltou a qualidade, mas muitas vezes julgou os efeitos especiais e o cuidado visual excessivos. "Há alguns críticos que dizem que há coisas visuais demais no filme, mas se eles preferem ver filmes em que visualmente não acontece nada, isso é problema deles", disse Sinkine.
"Acho que há uma visão diferente dos efeitos especiais no cinema francês e no americano. Na França, os efeitos não são o tema do filme , eles ajudam a narração -é preciso uma boa trucagem para ter a história da pulga. Mas há muitos filmes americanos em que o tema são os efeitos. Escreve-se o filme a partir deles. Isso não acontece na França."

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