São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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Grassmann encara a sedução da morte

DANIEL PIZA

Da Reportagem Local Exposição: O Mundo Mágico de Marcelo Grassmann
Onde: Museu de Arte de São Paulo (av. Paulista, 1.578, tel. 011/256-5144, Cerqueira César, região central)
Quando: abertura hoje, às 19h; até 15 de outubro

Não, não o chame de "mestre". O artista Marcelo Grassmann, que completa 70 anos no dia 23, não quer esse respeito quase indiferente que a palavra sugere. E é por isso mesmo que a exposição que o Masp (Museu de Arte de São Paulo) abre hoje não é retrospectiva.
"Não estou morto para ganhar uma retrospectiva", diz ele. De qualquer forma, a exposição de 70 desenhos inéditos (comemorando também 70 anos da Unisys Eletrônica, patrocinadora), com curadoria da marchande Sabina de Libman, é uma homenagem a um dos maiores nomes da arte brasileira.
Dos 70 desenhos, feitos entre 1993 e 1995, 18 serão doados ao acervo do Masp em seguida. São duas séries: "A Morte e a Donzela" e "Acteon e Outros Temas". Elas ganharam um belo catálogo, editado pela escritora Edla van Steen, no qual diversos amigos e admiradores colaboraram com pequenos textos sobre Grassmann.
Em outubro, por sinal, é a outra faceta da produção do artista -a gravura- que é lembrada na Pinacoteca do Estado, que vai expor obras dos anos 40 e 50.
O que se vê no Masp é a comprovação de que Grassmann é tão grande desenhista quanto gravador. A série "A Morte e a Donzela" -que nada tem a ver com o filme dirigido por Roman Polanski, em cartaz na cidade, mas apenas com o quarteto composto por Schubert- é candidata à condição de obra máxima do artista.
Franz Schubert (1797-1882) escolheu um tema que era uma impulsão para seu estilo. A peça tem o lirismo que traduz o aliciamento da donzela, e a contundência que a idéia da morte implica. As cordas realizam ataques polifônicos que arrepiam e seduzem a um tempo.
Grassmann fez a adaptação ideal: fiel, porém independente. A caveira exposta tem semblante afetuoso, correspondido pelos traços monalisescos da donzela -e o que poderia ser dissonante se torna harmônico. Também os braços se estendem até a intimidade.
Mas não contam só o aspecto e posição da figura: toda a técnica se volta à atenuação dos contrastes.
O fundo, por exemplo, ganha importância inédita na obra de Grassmann; vem à frente, se imiscui na cor das figuras e, nas palavras do artista, "cria o clima". As hachuras também dão uniformidade, símbolos (peixes, louros, elmos) somam ao drama e tons pastéis dão caráter onírico à cena.
O mesmo ocorre na série "Acteon" -baseada na história mítica do rapaz que vê a deusa Diana nua e como punição é transformado em animal. Sedução e sofrimento são sugeridos na mesma dose.
O autocontrole, o domínio técnico são evidentes. Grassmann é um defensor desse apuro. "Só com muita técnica e dedicação é que os acidentes felizes ocorrem. Eles aparecem quase sem a gente perceber. É meio mediúnico."
O recado é para os jovens atuais. "Hoje primeiro eles sujam a tela e depois vão tentar ordenar. Isso raramente dá certo. Jovens talentosos sempre existiram em grande quantidade. O difícil é ser profissional, porque profissionalismo é mais do que habilidade."
Grassmann acha, em suma, que só a evolução técnica conduz à inovação estética. "Artistas como Matisse, Picasso, Mondrian e Pollock sabiam tudo de arte, copiavam os grandes mestres e dominavam variadas técnicas. Só assim puderam mudar a história da arte, mesmo que fazendo o oposto."
Pelo mesmo motivo Grassmann não quer chamar de "ousados" esses desenhos. "Assim parece que nunca fui ousado. O artista tem de ousar sempre, senão perde a vida", diz. "Mas a assinatura dele sempre será reconhecida."

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