São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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Estado e anarquia

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - O Estado é a besta negra do neoliberalismo. Por isso mesmo, o atual governo gasta a maior parte do tempo naquilo que chama de "reengenharia", diminuindo seu tamanho. Em linhas esquemáticas, decidiu-se que a esquerda defende o Estado ciclópico. O neoliberalismo, expressão recente da direita, se fosse possível gostaria de eliminá-lo, deixando sobreviver somente os órgãos que garantam o mercado.
Os filósofos pré-socráticos já haviam previsto que o antagonismo final não seria entre a tirania e a democracia, mas entre a democracia e a anarquia. Enquanto houver democracia, o consenso dos cidadãos manterá um Estado para expressar a sociedade desses cidadãos, estabelecendo as relações entre capital e trabalho, entre Estado e indivíduo. O contrário disso seria a anarquia.
Depois da Revolução Francesa, anarquia ficou sendo a besta negra do socialismo. Abolir o Estado para fazer prevalecer uma lei utópica, no fundo, seria fazer o jogo da direita. Os comunistas odiavam os anarquistas e tinham motivos para isso.
O neoliberalismo procura comer o Estado pelas beiras, com o mesmo sentido anárquico. Guindando o capital e o lucro ao pódio da sociedade (pódio foi feito exatamente para premiar os competentes), o grande adversário do neoliberal é o Estado que o obriga a distribuir renda, a pagar salários imerecidos. Resumindo: o Estado é o vilão que só atrapalha o capital, cerceando-o com encargos sociais, impostos descabidos e embaraços a sua livre expressão.
O paternalismo do Estado é herança de uma sociedade atrasada e tacanha. Dele, o neoliberalismo só precisa da polícia para manter a ordem. Mesmo assim, essa polícia não seria central, mas setorial: cada grupo, cada setor da economia, cada fábrica, cada família teria sua própria tropa.
Evidente que os mais eficientes teriam polícias melhores. Exatamente como tudo aconteceu, 4.000 atrás, antes dos pré-socráticos. Daí que eu acho graça quando o Serjão e o Bresser falam em modernidade.

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