São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 1995
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Uma saída para a TV pública

LAURINDO LALO LEAL FILHO

A cartada decisiva do processo de consolidação da democracia brasileira está sendo jogada nestes dias na área do Ministério das Comunicações. Só agora, passados mais de dez anos da volta dos governos civis ao país, é que surgiu a primeira proposta concreta para pôr fim à orgia cartorial de concessões de rádio e televisão.
Sem isso, não há plano econômico ou reforma partidária que consiga sucesso na tentativa de diminuir as desigualdades sociais no Brasil. De que adiantam grandes planos políticos e econômicos se o seu debate público, requisito básico de qualquer processo democrático, é filtrado por emissoras de rádio e televisão que estão nas mãos de pessoas diretamente interessadas na manutenção de privilégios, como vem mostrando seguidamente esta Folha?
O fim da gratuidade das concessões e permissões é o primeiro passo para acabar com um triste privilégio que as empresas de rádio e televisão sempre tiveram neste país. As frequências que elas utilizam para emitir seus programas são bens públicos, transformados em geradores de renda para a iniciativa privada.
Nem no berço do neoliberalismo é assim. A Grã-Bretanha assiste hoje a uma disputa pela concessão do quinto canal terrestre de televisão, o terceiro a ser mantido por publicidade. Há um grande debate na imprensa e no Parlamento, tornando todos os passos do processo absolutamente transparentes.
Os lances já foram dados e agora, junto com eles, estão sendo analisadas as propostas de programação feitas pelos concorrentes. Lá, como aqui, televisão é um negócio altamente rentável e, por isso, o preço das concessões tem que ser compatível com o lucro presumível a ser obtido pelos concessionários.
O menor lance na disputa pelo Canal 5 britânico foi dado pelo grupo Murdoch, que chegou a US$ 3,6 milhões anuais. Dois consórcios, liderados pelos grupos Virgin e Pearson, empataram no segundo lugar com uma oferta de US$ 35,2 milhões e os canadenses da CanWest ficaram na ponta, com US$ 58 milhões pelo aluguel da frequência.
Agora cabe à Independent Television Comission (ITC), um conselho que supervisiona a televisão comercial britânica, decidir. E ele não está interessado apenas no dinheiro. Quer saber em detalhes, por exemplo, o que cada concorrente propõe para a programação infantil ou quantas horas serão reservadas para os documentários jornalísticos.
Será que nós chegaremos um dia a esse detalhamento ou estaremos condenados a ver e ouvir sempre no rádio e na televisão o que brota das cabeças iluminadas dos donos das emissoras e dos seus prepostos?
Vamos ser otimistas e acreditar que não. E aproveitar a deixa dada pela proposta do Ministério das Comunicações e tentar dar um passo à frente. Que tal destinar os recursos pagos pelas concessionárias pelo uso das frequências para manter uma verdadeira rede de rádio e televisão pública no Brasil, incluida aí a Rádio e TV Cultura de São Paulo?
Seria a única forma de tirar do Estado o ônus de arcar com esses custos e de dar autonomia às emissoras para que pudessem desenvolver programações alternativas ao modelo comercial que se generalizou pelo país.
Livre dos problemas de caixa ou dos humores políticos dos governos, a rede pública estaria pronta para competir com as emissoras privadas. Seria uma concorrência por qualidade e não por financiamento, já que os recursos de cada uma viriam de fontes diferentes.
Estaria aberto, com isso, o caminho para a elevação da qualidade do rádio e da televisão brasileira, tanto a pública como a comercial.

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