São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Jô Soares lança livro e já pensa em outros 3

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Jô Soares, 57, estréia na literatura com a corda toda: o seu computador já guarda num arquivo idéias para três outros romances, um deles ambientado no mesmo século 19 em que se passa "O Xangô de Baker Street".
O livro de estréia do humorista, um romance policial protagonizado por d. Pedro 2º, Sarah Bernhardt e Sherlock Holmes, chega hoje às livrarias com uma tiragem de 60 mil exemplares.
Apesar da ansiedade, Jô interrompeu por algumas horas os preparativos para o lançamento do livro anteontem à noite e viajou até São Leopoldo, a 30 km de Porto Alegre, para apresentar o seu show de humor. A bordo do jatinho que o levou ao Sul, deu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Em seus espetáculos de humor você improvisa muito e vai melhorando o texto a cada dia. Como você encara a idéia de não poder mais mexer no texto pronto do livro?
Jô Soares - Segundo o Rubem Fonseca, essa é uma das maiores aflições do escritor. Você nunca acaba de escrever um livro; você apenas o abandona, uma hora, para não enlouquecer. Mas escrever um livro é uma experiência que serve para escrever outros livros.
Folha - O que você aprendeu escrevendo esse?
Jô Soares - Sempre tive muita vontade de escrever um romance, mas ainda não tinha achado a linguagem certa. Achava que o livro tinha que ter humor, mas não podia ter só humor. Precisava ter uma trama, mas vista com um enfoque de humor. Essa foi para mim uma descoberta que vai me permitir escrever outros livros, sempre com esse enfoque.
Folha - Qual será o tema de seu próximo livro?
Jô Soares - Tenho três idéias, ainda flutuando na cabeça, mas prefiro não falar sobre elas. Posso dizer que uma das idéias aproveita praticamente a mesma época do "Xangô de Baker Street". Por causa da pesquisa para o livro, entrei de cabeça no século 19 e fiquei fascinado. Quando acabei de escrever tive uma sensação inédita: fiquei com saudades.
Folha - Saudades de escrever ou saudades do século 19?
Jô Soares - Das duas coisas. Daquela época, daquele pessoal... Fiquei amigo dos personagens. De repente, me vi falando: "Poxa, cadê? Eles foram embora..."
Aquela foi uma época fascinante. Mas a geração da qual eu faço parte achava cafona fuçar nessa área. Achava Olavo Bilac um poeta menor. Augusto dos Anjos, um cafona. Não é bem assim.
Folha - Você teve que se conter para não encher o livro de piadas? Você chegou a cortar piadas já escritas?
Jô Soares - Tive que me conter e cortei muitas piadas já escritas. Para o humorista, muitas vezes é irresistível fazer uma piada. Aí o Rubem Fonseca dizia: "Isso aqui está muito engraçado, mas não cabe no livro. Vamos ter que tirar".
Folha - O episódio do imposto da água, que foi roubado mesmo tendo sido guardado num cofre com três chaves, é verdadeiro?
Jô Soares - É um episódio verdadeiro, que ocorreu antes de 1886. O roubo estatal, você vê, é uma coisa bem antiga. Apesar de todo o cuidado que tiveram com o dinheiro que iria resolver o velho problema da água, o dinheiro desapareceu e ficou por isso mesmo.
A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa. Isso vem de anos. Um país só entra no Primeiro Mundo quando assume responsabilidade por seus erros.
Folha - Se o livro se passasse cem anos depois, em 1986, quem seriam a Sarah Bernhardt e o Sherlock Holmes do romance?
Jô Soares - A Sarah Bernhardt seria uma megastar de cinema, um monstro sagrado, tipo Elizabeth Taylor, e o detetive seria um Bill Gates (o dono da Microsoft), alguém ligado à informática.
Folha - Passou pela sua cabeça que os fãs de Sherlock Holmes podem se ofender com o retrato irreverente que você pintou dele e do Watson?
Jô Soares - Quem vem para o Brasil, seja personagem de ficção ou não, sofre uma forte influência do clima do país. A brasileirização do Holmes era inevitável.
Folha - O Chalaça, descrito no romance histórico de José Roberto Torero, diz que três sons movem o homem: o gemido das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas. Você escreveu "O Xangô de Baker Street" pensando em ouvir quais desses sons?
Jô Soares - Como ator que sou, um exibicionista, aquele que está na vitrine, o que me move sempre é o alarido das palmas. Quando viajo e não sou reconhecido nas ruas, fico tristíssimo. Porque já faz parte do meu ser. O que mais me gratifica é o reconhecimento.
Folha - Qual reconhecimento você espera com o livro?
Jô Soares - Espero que as pessoas gostem, lendo, e digam: "Valeu a pena, acrescentou alguma coisa, ler esse livro". Se, além do prazer que eu tive escrevendo, as pessoas tiverem o prazer de ler, aí será, como minha mãe dizia, "ouro sobre azul".

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Sobre o livro de Jô Soares à pág. 3

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