São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995 |
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Milton homenageia Senna no show 'Amigo'
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
O show, assim como o disco, é uma homenagem ao piloto Ayrton Senna. A orquestra Philarmonia Brasileira (no disco, a Jazz Sinfônica) e o coral infantil Rouxinóis de Divinópolis dividem o palco com ele e ajudam a fazer as honras. Milton parece estar se especializando em reverenciar os mortos. Sua "Coração de Estudante" foi o tema da agonia do ex-presidente Tancredo Neto, "River Phoenix" louvava o jovem ator norte-americano (que, diga-se, ainda estava vivo à época), a Senna ele dedica "Canção da América"... Parece mórbido demais, mas por outro lado o cantor sabe dar sentido à dor em suas interpretações. Estão cada dia mais rasgadas, mais emocionais. Milton é, dentro de seu universo, uma Maria Bethânia de calças. Na estréia, a voz falhava aqui e ali, principalmente no início do show. Logo se estabilizou e o maneirismo que o artista aprecia não apagou a profunda beleza de seus falsetes (como em "La Bamba") e gorjeios (no final de "Estrelada"). Infelizmente, a voz não veio sozinha. Os violoncelos assassinos, que tomaram de assalto a MPB já há algum tempo, se alastram dia a dia e agora orquestras inteiras tomam o palco antes singelamente ocupado por violões, pandeiros e cavaquinhos. É ensurdecedor. Pior. Ao cantar o verso "e aquela criança ali sentada", de "Simples", Milton aponta à sua esquerda e lá está uma criança de pé. Em segundos, crianças em camisas branco-verde-amarelas se multiplicam e disputam palmo a palmo o espaço do palco com os músicos da orquestra. E cantam, como cantam. Os rouxinóis preenchem a música de amizade dedicada a Senna com agudos que evocam galos de briga na rinha. A magnífica "O Cio da Terra" se afoga na gritaria, enquanto Milton se recupera no camarim. Milton é elegante, simpático, seduz a platéia. Traz os menorzinhos para dançar, dança com eles. Mas não é agradável a imagem associada de crianças, Ayrton Senna dando tchau no telão e temas de amizade. A música é primal naturalmente, mas a combinação criada por Milton apela demais aos baixos instintos. Quem não se deixa levar pela emoção sente a boca doce não de açúcar, mas de sacarina, com seu gosto residual amargo. A pieguice sobrevoa o palco. Mas não se deve condenar Milton por isso, já que em troca ele oferece a beleza de sua voz em canções como "Bola de Meia, Bola de Gude" ou a envelhecida "Maria Maria". Afinal, como insistem os avatares da cafonice, a liberdade é azulzinha. Texto Anterior: Há uma mulher invisível no Aterro Próximo Texto: Karnak conquista público sem "hits" Índice |
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