São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Falsa modernidade

PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO

O governo não tem vontade política de realizar a reforma agrária. Não tomou nem sequer as medidas para concretizar o arremedo de reforma que prometeu. Da quantia de R$ 1 bilhão que colocou no Orçamento para assentar 40 mil famílias em 1995, apenas irrisórios R$ 32 milhões foram liberados! A denúncia é do insuspeito Comunidade Solidária.
Retomando: o governo não tem vontade política de fazer uma verdadeira reforma agrária. Uma reforma assim objetivaria uma efetiva redistribuição de riqueza, renda e poder no meio rural, a fim de eliminar um dos fatores principais da pobreza que está freando o desenvolvimento e a democracia.
A consecução desse objetivo exigiria a articulação de um conjunto de medidas, cuja descrição escapa ao espaço deste artigo. Resumidamente: assentamento de trabalhadores sem terra em número muito superior ao fixado pelo governo; apoio efetivo à agricultura familiar; regularização dos títulos de propriedade de terras, inclusive demarcação das terras indígenas; priorização da produção de alimentos; zoneamento da exploração agrícola e florestal; instalação de indústrias em pequenas cidades, a fim de complementar o processo de reforma com a valorização do meio rural.
O governo tem a faca e o queijo na mão para tomar todas essas medidas. Dispondo de ampla maioria no Congresso, o que o impede de modificar as leis que dificultam a ação do Incra?
Há dois dias, foi-lhe entregue um memorial pedindo urgência urgentíssima para a votação de leis que modificam o procedimento anacrônico para solução dos conflitos de terras. Se os líderes da maioria concederem o pedido e arregimentarem os votos de seus liderados, chacinas como a de Corumbiara não se repetirão.
E no âmbito do Executivo? O que está impedindo o governo de liberar as verbas do Incra? Instalar as Varas Agrárias? Cobrar os 1.276 grandes usineiros e fazendeiros que devem ao Banco do Brasil? Só as terras que eles dariam em pagamento de suas dívidas seriam suficientes para assentar milhões de famílias. Meios para realizar a reforma agrária, há.
Faltaria apoio popular? O apoio da massa rural, hoje liderada pela Contag e movimento dos sem terra, seria entusiástico. Os trabalhadores urbanos o completariam, como se pode inferir dos pronunciamentos das centrais sindicais. As igrejas somar-se-iam imediatamente. Os católicos jamais esquecem a enfática palavra de João Paulo 2º a Sarney: "A reforma agrária é necessária para fazer justiça social". A maioria das pessoas comuns aprovaria, porque está sentindo na carne o peso da miséria rural, hoje presente também nas cidades.
Mas se os meios estão aí e o apoio popular é efetivo, por que o governo não faz a reforma agrária? Por se tratar de um governo que, sob o disfarce da modernidade, está amarrado às forças mais retrógradas deste país. Amarrado, não. Trata-se de um governo que se formou para realizar os interesses dessas forças -triste papel que nenhum virtuosismo político ou malabarismo verbal conseguirá ocultar.

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