São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vontade sem recursos

ROBERTO RODRIGUES

No final dos anos 80, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) encaminhou aos sucessivos ministros da Reforma Agrária um projeto de assentamento rural que propunha um convênio entre a OCB e o Ministério da Reforma Agrária nos seguintes termos:
a) o órgão público encarregado da reforma agrária indicaria a localização da área onde seria feito um assentamento;
b) a OCB verificaria qual o produto vocacionado para as condições edafoclimáticas da área, escolheria uma eficiente e exitosa cooperativa preexistente e a convocaria para o programa;
c) a cooperativa escolhida faria uma extensão de base para o local designado e, em convênio com o Incra e sob a égide do Estatuto da Terra, selecionaria os trabalhadores rurais que receberiam seus lotes.
Esse programa apresentava vantagens a todos os interessados:
1) ao assentado, porque receberia a terra e depois teria todo o suporte de uma cooperativa bem dirigida no suprimento de assistência técnica, planejamento, insumos agrícolas e na comercialização da produção;
2) à cooperativa, porque com maior número de cooperados e maior volume de produção teria aumentado seu poder de barganha no mercado;
3) ao governo, que não teria que fazer investimento nenhum no projeto, mas apenas oferecer crédito para a cooperativa investir;
4) à sociedade como um todo, porque não haveria desperdício de dinheiro público.
Parecia tão óbvio o programa que a OCB ficou frustrada com a reação à proposta: nenhuma resposta! Aparentemente, não havia vontade política, então, para implantar um programa de assentamento bem organizado.
É claro que o assunto era, como ainda é, muito polêmico, envolvendo paixões em torno da posse de terra, questões ideológicas muito arraigadas e históricas e todo tipo de desinformação, principalmente a do cidadão urbano desprevenido que acreditava ser a divisão de terras pura e simples uma solução para a redução do custo da comida e do êxodo rural.
Hoje há mais informação, principalmente neste ano, quando milhares de agricultores estão sendo desassentados, expulsos de sua terra pelo desastre de renda que lhes foi imposto pela política econômica e pelos problemas estruturais do "custo Brasil".
No entanto, o assunto precisa ser enfrentado pelo governo dentro dos parâmetros jurídicos definidos pela Constituição brasileira e pela legislação em vigor. O não cumprimento de metas de assentamento está levando descontentamento a trabalhadores rurais que têm habilitação para o amanho da terra.
Na outra mão, invasões de terra orquestradas acabam atingindo propriedades produtivas, protegidas pela lei, cujos legítimos donos enfrentam verdadeiros dramas kafkianos.
O atual governo tem clara vontade política de resolver a questão. Faltam agora no Orçamento da União os necessários recursos, vultosos, para a tarefa.
Acreditamos que o governo os encontrará para viabilizar seu programa de assentamentos. E esperamos que o faça resgatando os instrumentos de política agrícola indispensáveis para seu sucesso. Pois, caso contrário, estará gastando dinheiro da sociedade para fazer assentamentos de um lado, enquanto de outro lado estará provocando desassentamentos de massa que exigirão investimentos públicos no setor urbano.

Texto Anterior: Garra, coragem e competência
Próximo Texto: Falsa modernidade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.