São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Romário é um ludópeda!

JOSUÉ MACHADO

A Mancha Verde e outras torcidas organizadas, manchadas por desordeiros de vários níveis, tiraram das páginas esportivas o futebol, palavra de origem inglesa e esporte de que os ganenses ameaçam tornar-se reis. É só reparar na seleção juvenil de Gana, que massacrou a chocha seleção brasileira e joga como o antigo Santos de Pelé, com gana de gols.
Pois para substituir o galicismo "football" do começo do século criaram neologismos como ludopédio e pedibola, que nem chegaram aos tempos em que os narradores e comentaristas esportivos chamavam futebol de "popular esporte bretão". E o chamavam assim sem ironia, antes com alegria, felizes por terem achado um substituto criativo para futebol. Eles se referiam, é claro, à Grã-Bretanha, onde o futebol havia nascido.
Como todos sabemos, ludopédio e pedibola deram tão certo quanto o Collor, argh, embora sem a mesma carga de pilantragem. São palavras que se baseiam ao pé da letra em "football" (pé e bola). Pedibola, do latim "pes, pedis" (pé) + "bulla" (bola). Daí pedibolar. Ludopédio, do latim "ludus" (jogo) + "pedis" (pé). Houve mais tentativas de dar nome nacional ao futebol: pedisfera, balopodo, balípodo, podobalismo, desafio de bola, pebol, bolapé e furta-bola. Furta-bola deve ser criação de algum retranqueiro como o Zagallo e o Parreira, que ganharam o Mundial com um empate.
Esses neologismos são criações tão úteis como a "Voz do Brasil" e os programas políticos. Mas bem que uma palavra sintética como ludópoda substituiria com classe a expressão "jogador de futebol":
"Os ludópodas querem libertar-se da lei do passe, que os torna escravos."
Impressionaria o país da pátria no congresso.
É óbvio que o "football" foi absorvido, transformado e integrado como o nosso futebol todas as semanas, embora dominado por gente fina como os Teixeiras e os Farahs da vida. Vida longa a eles!
Do "basketball" e do "volleyball" nem é preciso falar. Estão perdendo o "bol" e já são tratados com intimidade por basquete e vôlei, embora tenham tentado dar-lhes nomes como bola-ao-cesto, cestobol e manubol, que serviria também para o "handball". Sem esquecer aguabol para o pólo aquático.
Houve outros neologismos lamentáveis. Alguém já viu um lucivelo? Um lucivelo aceso? E uma pantalha? Lucivelo foi inventado pelo filólogo Antônio de Castro Lopes (1827-1901) para substituir o galicismo abajur, de "abat-jour". Ele compôs a palavra com "lux, lucis" (luz em latim) e "velo", de velar. Lucivelo não é mais neologismo, porque envelheceu e não pegou, e abajur incorporou-se à língua, abafando também a pantalha, bela palavra. Ambas foram para o espaço, tão esquecidas como velador e quebra-luz, sinônimos desditosos de abajur.
Pantalha talvez tenha vindo do espanhol "pantalla", parente de "ventalla", ventarola, o mesmo que abanico, leque, sob influência catalã de "pampol", abajur das lâmpadas, mas originalmente folha de parra, de "pámpano", de acordo com o "Grande Dicionário Etimológico e Prosódico da Língua Portuguesa", de Silveira Bueno.
Alguns neologismos, no entanto, entraram para a língua. Castro Lopes criou, por exemplo, cardápio para substituir o galicismo "menu" e convescote para o lugar do anglicano "pic-nic", já incorporado ao português como piquenique. Cardápio até que subsiste. Formou-se com os elementos latinos "charta", papel; "daps, dapis", manjar; e o sufixo "io". Com mais dificuldade sobrevive convescote, de convívio, festim, festa familiar, do latim "convivius", e escote, quinhão dado por todos e cada um para uma despesa.
Escote, aliás, é o que querem fazer para cobrir buracões de bancos bem administrados, e convescote é o que fazem com o dinheiro público.
Pra lá e pra cá
O time do Corinthians estreou uniforme reestilizado: camisas quadriculadas e calções brancos com bolinhas da mesma ausência de cor. O leitor Bruno Bomtempi, de São Paulo, torcedor corintiano, mestre de história e de lógica, manda recorte do jornal esportivo em que brilha o seguinte período:
"No segundo tempo, o Corinthians veio com o 'negativo' do novo uniforme, mas sem os calções brancos."
Sem os calções brancos? Assim, simplesmente assim? Sem calções? A moçada correndo em campo pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá e não houve tumulto nas gerais?
Há de ser incômodo correr assim, não? Os índios de algumas tribos estão acostumados. Teriam os jogadores mantido a sunga ou corrido desprotegidos dos muitos males desta vida?

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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