São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995 |
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A propaganda falso brilhante
WASHINGTON OLIVETTO Basicamente o que caracteriza a propaganda falso brilhante são alguns componentes muito utilizados na propaganda fantasma do tipo campanhas que vendem o todo da categoria de um produto, em vez de vender o produto que está sendo anunciado. Comerciais criados com a preocupação de poderem ser traduzidos para concorrer a festivais internacionais, em vez de criados com a preocupação de estabelecer uma linguagem que mobilize o consumidor a ser atingido, padrões gráficos modais totalmente inadequados ao contexto estético em que vão ser veiculados, anúncios de oportunidade, oportunistas em vez de oportunos etc.Enfim, uma propaganda que não fala com o consumidor ou, quando fala, fala da maneira errada. Mas, apesar de na maioria dos casos as fórmulas, truques e maneirismos utilizados para se fazer a propaganda falso brilhante serem os mesmos da propaganda fantasma, os prejuízos que ela gera para o todo no negócio são infinitamente superiores. Enquanto a propaganda fantasma termina nela mesma e na turminha que fez (tremenda "ego trip"), sem que nenhum anunciante gaste um tostão de mídia com ela, a propaganda falso brilhante, muitas vezes, consome milhões em veiculação sem conseguir resultados com o consumidor (tremenda "bad trip"). Mais do que isso, a propaganda falso brilhante faz com que alguns anunciantes revivam preconceitos contra a propaganda boa de verdade, já que, mesmo sendo "criativosa", ela é vendida como criativa, promovendo um sério erro de avaliação. O retorno desses preconceitos é perigosíssimo, porque reforça a idéia de que o mediano é melhor e mais seguro, enquanto o criativo pode ser arriscado e ineficiente. Prometo voltar ao assunto inclusive dando exemplos, mas hoje acho mais útil tentar entender por que isso está acontecendo. Na minha opinião, três fatores são fundamentais e fazem parte do mesmo ciclo: a necessidade, sem dúvida nenhuma humana, mas sem dúvida também suicida, que alguns profissionais têm de obter uma rápida ascensão social dentro do próprio meio, não percebendo ingenuamente que uma carreira sólida e consequente não se faz com brilharecos para a turma, mas sim com trabalhos que consigam alta visibilidade junto aos clientes, graças aos resultados conseguidos junto ao consumidor. Sem isso um profissional pode até entrar na moda, mas, como tudo o que é moda, vai sair da moda. Outro fator, acredito eu, é a necessidade de algumas agências de se mostrarem renovadas e outras rapidamente implantadas na mídia, apelando assim para esse recurso fácil, mas pouco duradouro. Curiosamente, essas agências são as primeiras a esquecer o pseudobrilho e a fazer qualquer tipo de concessão à mediocridade, quando pressionadas pelo faturamento. Mas o fator que, para mim, é fundamental está num fenômeno que atinge o ser humano nas mais diversas áreas e não poderia ser diferente na publicidade, uma atividade em que a insegurança faz parte do perfil psicológico dos profissionais. A questão é que muita gente tem cabeça de colonizado, e acaba trocando a maravilhosa sensação de ter seu trabalho reconhecido e prestigiado por milhões de consumidores durante o ano inteiro pela falsa ilusão de se sentir internacional entre meia dúzia de gatos pingados durante uma semana. É verdade que seduzir e mobilizar milhões de pessoas é mais difícil, e pra isso realmente é necessário saber fazer, já que pra criar propaganda falso brilhante basta memória, enquanto pra criar propaganda boa de verdade são necessários talento e trabalho. Mas sinto que muitos profissionais que poderiam fazer não estão sequer tentando, iludidos pela falta de contato com a vida real. Vale a pena lembrar que propaganda tem de ser pop. Se não for pop, se não mexer com a galera, não existe, não é propaganda, é que nem mulher mais ou menos grávida. O efeito "sou colonizado felizmente só atacou a propaganda brasileira nos últimos anos, depois de ela ter se provado capaz e personalizada durante muito tempo, mas em alguns países os estragos que ele fez foram devastadores: os espanhóis, por exemplo, nem chegaram a ter uma propaganda espanhola, tentaram virar ingleses e acabaram não sendo uma coisa nem outra. Os nórdicos, nesse momento saindo da moda, acabaram fazendo sempre o mesmo trabalho para qualquer tipo de produto, fingindo possuir um estilo próprio, mas na verdade preocupados em ser entendidos e aceitos pelos outros, quando, na verdade, primeiro eles precisam ser entendidos e aceitos por eles mesmos, achando soluções individualizadas para cada problema mercadológico e o seu público específico. A tentativa de parecer internacional a partir do padrão anglo-saxão (muitíssimas vezes ótimo) por quem não é anglo-saxão denota subserviência e ingenuidade, já que qualquer pessoa relativamente lida sabe que a única maneira de ser internacional, em qualquer atividade, é ser o mais local possível. Não estou falando de recusar influências nem desconhecer processos de globalização, muito menos de raízes, já que, como diz o Gilberto Gil, raiz é mandioca, mas estou falando de ser internacional de verdade, conquistando prioritariamente o público com que você está falando, através da linguagem certa, seja ela qual for, e partindo daí para o mundo quando for possível, e algumas vezes vai ser possível. O que me aborrece é ver publicitários brasileiros se deslumbrarem com a campanha da Nike, baseada na greve dos jogadores de beisebol americanos (ótima campanha lá), e descobrir esses mesmos publicitários olhando de lado para o filme das bolas Penalty, com música e locução de Luís Melodia (magnífico trabalho aqui). Coincidentemente, na semana passada, o Andrew Jaffe, meu amigo, americano, anglo-saxão, me pediu que fizesse uma palestra sobre esse tema no próximo Adweek Creative Seminar, em San Francisco, na Califórnia, em maio do ano que vem. O Andrew, pelas nossas conversas, e pelo pouco que sabe da nossa propaganda, imagina os publicitários brasileiros entre os mais internacionais, livres e não-colonizados do mundo. Espero que até lá isso seja verdade. Texto Anterior: Setor de bebidas está esquecido nas Bolsas Próximo Texto: Revolução nas gráficas Índice |
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