São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Cooperativas de trabalho

ADEMERVAL GARCIA

Por proposta de um deputado do Partido dos Trabalhadores foi inserida na CLT (artigo 442) um dispositivo estabelecendo que o trabalhador, quando filiado a uma cooperativa de trabalho, não cria vínculos de emprego com o tomador do serviço, quando este contrata a prestação dos serviços da cooperativa. Parece que essa proposta visa impedir que o trabalho nos assentamentos rurais não vincule o trabalhador ao assentamento, gerando ações trabalhistas. Verdadeira ou não essa versão, o fato é que não há mesmo vínculo entre o profissional ligado a uma terceira empresa -e as cooperativas são empresas- com o tomador dos serviços. Essa consequência jurídica não surgiu com a edição da lei 8949/95. Existe há 24 anos, expressa no artigo 90 da Lei do Cooperativismo (5764/71).
A informalização do trabalho, com a total desproteção do trabalhador, é um fato econômico que nem as autoridades negam. O volume de regulamentação a que está sujeito o trabalhador brasileiro e os custos que daí derivam tornam a nossa mão-de-obra pobre e os nossos produtos caros. O trabalhador ganha pouco, mas seus salários, mais encargos, mais ineficiência por falta de saúde, educação e transporte, além do elevado absenteísmo, custam muito ao empregador.
Os trabalhadores tiveram na nova lei uma oportunidade para sair da informalização e ganhar mais, gerindo as suas próprias relações de trabalho, num momento em que o fortalecimento da economia e a maior demanda de mão-de-obra não-qualificada lhes permite isto.
No caso da citricultura, a oportunidade foi maior ainda e a proliferação das cooperativas acontece no momento em que as relações dos produtores com as indústrias passam por uma modificação fundamental. As indústrias, induzidas pelo dirigismo estatal da antiga Cacex, sempre compraram a laranja na árvore, encarregando-se da colheita, feita por colhedores contratados na forma da CLT. Hoje, pressionadas pela elevação dos custos, defasagem cambial e juros altos, estão revendo essa prática e se concentrando na produção e exportação do suco.
As cooperativas enxergaram aí um nicho de mercado e passaram a trabalhar diretamente para o produtor e para várias indústrias também. Para o produtor é uma boa solução, já que não tem que sair à cata de trabalhadores eventuais, que seriam contratados e registrados por dez ou 15 dias.
Tome-se o exemplo de uma pequena propriedade de dez hectares, onde o produtor possui 5.000 pés e produz, pela média paulista, 11 mil caixas de laranja por ano. Uma turma de 30 pessoas leva 13,5 dias para colher esse volume, quando as frutas são da mesma variedade. Se forem duas variedades, levará mais ou menos sete dias em dois períodos da safra. Isto obriga o produtor a empregar, registrar e demitir 30 pessoas por uma semana e, mais tarde, repetir esta operação, com a burocracia e os custos que todo mundo conhece, numa propriedade que rende US$ 20 mil por ano. Ao final da safra, o trabalhador teria 25 registros na carteira. Na prática quem vai fazer isto? O crescimento das cooperativas se baseia no fornecimento desse serviço, ocupando o trabalhador e evitando que este se torne um volante, sem registro.
A cooperativa, portanto, é uma forma de legalização de um fato da vida real, que são as turmas volantes características do meio rural. E a proposta do PT transformou situações indefinidas do ponto de vista de vínculo empregatício em situações legais, definidas e abrangidas pelas relações comerciais.
É preciso ficar bem claro que as indústrias não estão por trás e nem têm nenhum interesse nas cooperativas, que cobram delas o mesmo custo que elas teriam com empregados registrados. Mas o trabalhador registrado recebe cerca de R$ 0,11 por caixa colhida e o cooperado recebe R$ 0,18 pelo mesmo serviço, com um fundo que garante seus direitos trabalhistas. Não é preciso ser muito convincente para que o trabalhador decida entre ambos os sistemas.
Deixando as indústrias cítricas de colher laranjas, as cooperativas são assunto do interesse de mais de 20 mil citricultores -e outros tantos produtores rurais- e de cerca de 80 mil colhedores, que ganham mais e decidem sobre o uso que fazem do seu dinheiro.

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