São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Vale do Rio Doce e de outros rios

PEDRO SIMON

O parágrafo primeiro do artigo 13 da Constituição de 1988 dispõe que são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais. No capacete do corredor, na camisa do atleta, na farda do militar e na voz "dos filhos deste solo" está o Brasil, representado nas cores que simbolizam suas maiores riquezas.
Ao longo dos tempos, o país foi incorporando outros emblemas, verdadeiros novos símbolos nacionais que representam a luta, a soberania e a própria história de um povo. São exemplos típicos o Banco do Brasil, a Petrobrás, a Companhia Vale do Rio Doce, cujas bandeiras sempre suscitaram os mais fortes sentimentos de nacionalidade.
Mudar esses símbolos requer o envolvimento de toda a população. É por isso que venho defendendo, na tribuna do Senado, a instituição do referendo, fórmula pela qual a sociedade pode externar o seu pensamento naqueles assuntos considerados essenciais.
Esse instituto se reforça no regime presidencialista, em que todos os representantes da população são eleitos por prazo determinado, dificultando a explicitação da vontade popular e a consequente legitimidade de propostas de ação. O mundo oferece ricos exemplos da prática do referendo. Recentemente, o Tratado de Maastrich foi amplamente discutido nos países do Mercado Comum Europeu. Na Itália, a questão do aborto mereceu o devido debate com a população, entre outros casos.
Como se sabe, uma das discussões mais importantes que ocorre hoje no país se refere ao Estado brasileiro, quanto ao seu papel e ao seu tamanho. O principal marco legal relativo ao tema se consolidou na lei nº 8.031, que criou o Programa Nacional de Desestatização.
Como resultado, foram privatizados os setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. Não há como negar que o debate sobre esse relevante tema se circunscreveu aos limites dos gabinetes técnicos. À população coube apenas informações -muitas vezes maquiadas- em peças publicitárias bem produzidas e nem sempre pouco tendenciosas.
Passada a primeira etapa das desestatizações, o país se debruça, hoje, sobre uma questão de fundamental importância: a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a CVRD.
A discussão sobre a proposta de privatização da CVRD não pode ser desviada para aspectos meramente quantitativos, extraídos de indicadores frios determinados pela tecnocracia. A CVRD, enquanto empresa emblemática, é parte integrante do desenvolvimento do país e, em nome da população, manipula materiais estratégicos para a consolidação de sua soberania.
A privatização da CVRD significa, para mim, privatizar o subsolo brasileiro. Significa a forte possibilidade de abrirmos mão de nossas reservas de ferro, ouro, manganês, bauxita, potássio, cobre, caulim, prata, titânio, entre outros metais nobres. Significa, também, interromper programas de desenvolvimento regional e social implementados pela empresa, que aloca parte de seu lucro líquido nas áreas de influência dos municípios onde atua. É por isso que os números da Vale não se limitam aos seus aspectos puramente quantitativos. São números que assumem dimensões econômica, social e política.
A CVRD, criada em 1942, é um conjunto de 66 empresas (40 controladas, 21 coligadas e 5 participações minoritárias), que, juntas, possuem uma receita bruta anual superior a US$ 3 bilhões.
Seu lucro, em 1994, foi de US$ 645 milhões, tendo distribuído US$ 115 milhões mesmo em condições cambiais sabidamente adversas. Atua em nove Estados, em cujas áreas de influência aplica 8% do seu lucro líquido a título de desenvolvimento regional. Mantém negócios com milhares de empresas de mineração que, somente em Minas Gerais, alcançam a 1.820 unidades, espalhadas por 350 municípios e que se utilizam de infra-estrutura por ela criada.
Além disso, com aproximadamente 20% do mercado de minério de ferro, é a maior empresa de mineração do mundo e a maior exportadora brasileira. Somente Carajás, com suas reservas de 18 bilhões de toneladas de minério de ferro, suportaria a extração atual pelos próximos quatro séculos. Isso significa que a atual demanda da CVRD poderia ser satisfeita até a primavera de 2395.
Fica evidente que a CVRD, apesar desses números grandiosos, não pode ser representada, aos olhos do público, pelo paquiderme que deu publicidade aos leilões de privatização em período recente. Trata-se de uma empresa lucrativa, alavancadora do desenvolvimento regional e estratégica.
São essas as razões que respaldam a minha postura contrária à privatização da CVRD. Curvo-me, única e exclusivamente, se essa não for a vontade popular. É aí que se justifica e se reforça a proposta do referendo. Afinal, privatizar a CVRD sem ouvir a população seria o mesmo que, a sua revelia, trocar o amarelo da bandeira ou suprimir o "gigante pela própria natureza" do hino.

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