São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
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Médico não reza missa

DRAUZIO VARELLA
BRÁULIO É NOME DE ALGUNS E SOBRENOME DE OUTROS.

Como nem todos os Bráulios reagiram com resignação, os responsáveis pela atual campanha de prevenção à Aids resolveram escolher outro nome para designar o pênis, esse órgão que atende a tantas denominações criadas pela cafajestice popular.
Infelizmente, pegando carona no justificado clamor brauliano, setores mais conservadores da sociedade revoltam-se contra a campanha.
Entre eles, há senhoras e senhores educados em ambientes mais rígidos, que ficam chocados com essa forma de tratar temas sexuais por meio da televisão da sala.
Essas pessoas de bem precisam entender que é dever do Ministério da Saúde alertar a população para a epidemia de Aids e que a linguagem empregada não é dirigida à senhora de 65 anos, abstinente, porque ela não corre risco de pegar o vírus.
A mensagem deve ser transmitida aos mais jovens, pois a maioria das infecções ocorre entre os 15 e os 30 anos. A senhora de 65 anos não pode ser egoísta a ponto de ir contra o uso da TV para ensinar o que precisa ser aprendido. Mas, se ela se sentir ofendida com os termos empregados, há sempre a saída mágica da tecla "mute" ou do botão que muda o canal.
Esse não é o pior problema que os técnicos do programa nacional têm que enfrentar quando organizam campanhas mais agressivas, porque as pessoas de bem são generosas e não se divertem com a possibilidade de ter uma filha ou um neto com Aids.
A pior reação vem sempre da Igreja Católica. É só falar um pouco mais claramente a respeito da necessidade do uso da camisinha (orientação da Organização Mundial da Saúde), que ilustres prelados aparecem expressando veementemente sua revolta.
Há quem diga que nem todos os padres pensam assim; pode ser, mas o fato é que aqueles que mandam se manifestam sempre em uníssono.
A Igreja sempre entendeu mal a questão da Aids. Não percebeu que se trata de uma epidemia, de uma doença venérea, não de um problema religioso ou moral.
O combate à sua disseminação se faz impedindo que o HIV entre em contato com as mucosas genitais e com as agulhas de quem toma droga na veia; o discurso moralista é inócuo tanto para o vírus como para seu hospedeiro.
Assim sendo, a Igreja Católica não deve se intrometer nessa discussão técnica, por despreparo e por ignorância. Campanha de prevenção à Aids é assunto para médicos, epidemiologistas e especialistas em comunicações.
A Aids, como o diabetes e a malária, é problema médico, não religioso. É simples: padre não dá palpite em doença, médico não reza missa!

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