São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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Hora de cobrar

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Li na edição de domingo da Folha: o Betinho começou a desconfiar que a tal campanha de solidariedade em que se meteu está naufragando, já considera o movimento supérfluo. Acredito ter sido dos primeiros a criticar não a sua pessoa, mas o seu engajamento numa quermesse paroquial que explora o paternalismo e serve apenas de badalação a quem não precisa dela.
Se a campanha era demagógica nos tempos do governo Itamar, com a entronização da primeira-dama na linha de frente ficou pior: promoveu o embuste, maximizou a inutilidade, oficializou o nada.
Meses atrás, houve aquela badalação de doar sacos de arroz para acabar com a fome geral. Rendeu muita foto, muita lágrima de comoção nas reportagens da TV. Na Idade Média, por ocasião das festas no castelo, das guerras ou das pestes, a nobreza e o clero se esmeravam na distribuição de pão aos famintos. A modernidade dos neoliberais tem muito desse feudalismo medieval.
Os dados estão lançados, quem é competente e capaz se estabelece e aqui ô para os demais. A função do Estado, que seria a de presidir o pacto social que desse comida, casa e dignidade para a maioria, passa ser, novamente, o domínio do forte sobre o fraco. Tal como na selva de onde viemos e parece que estamos voltando.
Nem Betinho nem dona Ruth precisam desse tipo de exposição. O primeiro é um santo. A segunda, que por sinal é uma primeira-dama, ficaria melhor no pódio a que tem direito como mulher do presidente. Suas andanças pelo mundo, seus colóquios, simpósios, seminários, conclaves, congressos e convescotes revelam apenas a obviedade das boas intenções, a cascata interminável dos axiomas acacianos sobre miséria e justiça social.
Os dois -Betinho e dona Ruth- fariam melhor se cobrassem diariamente do presidente da República a saúde, educação, agricultura, emprego e segurança que nos foram prometidos durante a campanha. Estamos ameaçados de ter um presidente que vai dar palpite sobre a guerra na Bósnia, repetindo no plano internacional o mesmo nhenhenhém supérfluo que Betinho acaba de descobrir.

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