São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 1995
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A dívida pública está em queda

MAILSON DA NÓBREGA

Os debates sobre a dívida pública no Brasil não raro misturam paixão, desinformação e preconceito. Não é para menos. Poucas coisas são mais confusas entre nós do que as finanças do governo.
Durante anos, imperou certo primitivismo institucional. Havia vários orçamentos. A dívida pública crescia sem autorização legislativa. Parte das despesas não passava pelo Congresso, mas pelo Conselho Monetário Nacional.
Tudo isso ficou para trás com as reformas realizadas entre 1986 e 1988. Os orçamentos foram unificados. Acabaram as relações promíscuas entre o Tesouro, o Banco Central e o Banco do Brasil. O Congresso tem agora a última palavra sobre a expansão da dívida.
Permaneceram, contudo, alguns ranços. Ainda tem gente pensando que é possível aumentar o crédito rural subsidiado numa reunião entre os ministros da Fazenda e da Agricultura, como nos tempos do orçamento monetário.
A confusão não é menor na dívida pública. Muitos políticos a vêem como coisa de banqueiro esperto. Poucos deles se dão conta do que acontece quando se aumenta a despesa sem receita. Condenar a "ciranda financeira é melhor do que se abster de emendar o Orçamento.
Até quem sabe fazer cálculos sofisticados escorrega nas armadilhas das contas malfeitas. Álvaro Zini caiu numa dessas. Pegou projeções de um professor paranaense e sentenciou que os juros da dívida pública custam R$ 1 bilhão por semana.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, com conhecimentos de engenheiro e de 28 anos no mercado financeiro, mostrou o absurdo das projeções. Provou que o professor somara grandezas heterogêneas. Laranja com banana. Não precisava, contudo, ir muito longe.
Pela lei dos grandes números, era fácil contestar as projeções. Se elas fossem corretas, os juros pagos apenas pela União seriam quase 10% do PIB. Em 1994, juntando tudo -governo federal, Estados, municípios e empresas estatais-, chegaram a 3,8% do PIB. Os do governo federal foram 1,5% do PIB.
Existe outro barulho sobre a dívida. Diz-se que ela estaria explodindo. O combustível seriam os juros altos (que aumentam o endividamento) e a correspondente atração de capitais externos (que aumenta as reservas internacionais e a dívida interna).
Não há dúvida quanto ao efeito dos juros atuais sobre a dívida pública. Mas foi a única alternativa, de caráter temporário, para quebrar um perigoso "boom" de consumo. Desvalorizar a moeda poria em risco o Plano Real. Cortar gastos públicos, mais correto, era impossível diante da rigidez orçamentária.
Na realidade, a dívida pública líquida do setor público diminuiu. É o que mostra o recente estudo de Fabio Giambiagi ("Evolução e Custo da Dívida Líquida do Setor Público: 1981-1995", mimeo.).
Depois de atingir o máximo de 53,3% do PIB em 1984, a dívida caiu para 38,9%, em 1989, e de novo para 24,3%, em 1994. Teria caído mais se a dívida dos Estados e municípios não tivesse aumentado (de 5,8% para 9,2% do PIB, entre 89 e 94).
Causas básicas: 1) corrosão do valor real dos estoques, via correção monetária inferior à inflação e mudanças na paridade cambial; 2) redução substancial das necessidades anuais de financiamento do setor público; 3) crescimento do PIB em ritmo superior ao da divida.
O que determina a expansão da dívida (estoque) são as necessidades de financiamento (fluxo). De 90 a 94, estas atingiram somente 0,4% do PIB (5,2% de 81 a 93). Além disso, os juros altos influenciam basicamente a dívida mobiliária, que representa pouco mais de 50% do endividamento total.
Para 1995, a proporção dívida líquida/PIB deve ficar estável ou subir um pouco. Os juros altos explicam uma parte. A outra será um novo crescimento no déficit dos Estados e municípios.
Não há, pois, razão para alarme, a menos que os juros atuais sejam mantidos por anos, o que não é plausível. Tudo indica que o ritmo de crescimento da dívida pública será nulo nos próximos anos. Depois das reformas estruturais, pode até ser negativo. O mais provável é vermos novas quedas na dívida líquida.
Sem as reformas, esses resultados são obtidos à custa da redução dos recursos para infra-estrutura e gastos sociais. Mas isso é outra história.

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