São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 1995
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Editora relança sucessos na voz de Sinhô

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A editora Collector's do Rio está vendendo por reembolso postal quatro fitas com 64 composições do carioca José Barbosa da Silva (1888-1930), o Sinhô, gravadas entre 1918 e 1930 por intérpretes como Francisco Alves, Bahiano, Eduardo das Neves, Carmen Miranda e Gustavo Silva.
O lançamento revela a importância do "rei do samba" na definição do estilo do samba e do primevo imaginário urbano nas décadas de 20 e 30. As fitas são ordenadas cronologicamente.
As gravações mais importantes figuram na primeira. Pertencem à era mecânica estavam havia muito tempo fora dos ouvidos leigos, na mão de colecionadores que gostam de brincar de esconde-esconde.
A Collector' se encarrega de livrar músicas mecânicas de Sinhô do cativeiro e prova que o som do sistema mecânico é razoável.
Duas dessas músicas justificam a encomenda imediata das fitas: a marcha "Fala Baixo" e o samba "Não Posso me Amofinar", gravadas pelo próprio compositor em 1922, com acompanhamento da Embaixada do Fala Baixo.
Evidencia-se o que os contemporâneos sobreviventes de Sinhô comentavam a boca pequena: a voz do compositor antecipou a idade elétrica e o surgimento do canto sussurrado de Mário Reis (1908-1981).
Reis estudou violão e voz com Sinhô em 1927, ano da instalação do sistema elétrico no Brasil, pela Odeon. Em 1928, Mário, orientado pelo músico, lançaria os sambas "Que Vale a Nota Sem os Carinhos da Mulher" e "Carinhos do Vovô", que estão na fita nº 2. Popularizaria também um novo estilo de cantar música brasileira, sincopado e cochichado. Surgiria o intérprete apropriado para o microfone, base do sistema elétrico.
Sinhô saudou Reis como a realização completa de seus ideais interpretativos. A fita nº 1 prova que não foi Reis, mas Sinhô, o fundador da série do canto pronunciado na MPB, que iria desembocar em João Gilberto nos anos 50.
Sinhô ostenta uma voz de tenor mínima, cheia de paradas e notas em stacato. Seus colegas diziam que o estilo original de cantar de Sinhô se devia à tuberculose.
A doença, de fato, veio a matá-lo em 4 de agosto de 1930, depois de um ataque de hemoptise numa barca da Ilha do Governador. Mas seus atributos estão muito além da tísica, conforme mostra em "Fala Baixo".
Canta baixo e ironicamente. Polemiza com os amigos de Pixinguinha com uma bossa de fazer inveja aos pósteros do nhém-nhém-nhém.
Sinhô registrou as duas músicas no período de pontificado das máquinas falantes, chamado carinhosamente de era mecânica pelos historiadores. Esta se deu entre 1902 e 1927. Como os músicos da época, Sinhô teve de gritar pelo autofone (cone de bronze), que, ligado a um diafragma, sensibilizava a agulha. Esta vincava a matriz de cera do disco. O resultado espanta, porque Sinhô simulou o sussurro no grito.
A esse período heróico pertence o misterioso Fernando (de quem nenhum dado restou além do fato de haver trabalhado como crooner do Jazz Band Sul-Americano). Ele lançou maxixes de Sinhô, como o pornográfico "Caneca de Couro" e o cínico "Amor Sem Dinheiro". Pode-se supor que Fernando foi o primeiro protótipo revolucionário de Sinhô. Também ele canta falando, em silenciosas e perturbadoras performances.

Fitas: J.B. Silva (Sinhô)
Intérpretes: Sinhô, Mário Reis, Fernando, Francisco Alves, Eduardo das Neves, Gustavo Silva e Bahiano
Lançamento: Collector's (r. Visconde de Pirajá, 550, tel. 021/239-6793, RJ)
Preço: R$ 12 (a fita)

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