São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 1995
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Overnight e Congonhas

JOSÉ SARNEY

Não estou entre aqueles que desprezam a proposta do governo do Estado de São Paulo de oferecer, em pagamento da dívida do Banespa, o aeroporto de Congonhas. Afinal, isso é uma prova de desprendimento, porque Congonhas é um símbolo, que foi o maior e mais moderno aeroporto do Brasil.
Outrora o Banespa comprava aviões e os financiava, fazendo da Vasp uma empresa nacional e forte. Agora, ele vende o aeroporto e todos acham que é brincadeira.
Há um antecedente histórico: o Marquês de Barbacena queria pagar os compromissos do Brasil com um pedaço do território nacional. Ora, o Banespa não está querendo uma coisa dessas, ele está propondo uma dação em pagamento!
Por que o Banco Central não aceita? É realmente uma discriminação, já que para o Rio o governo federal deu o aeroporto do Galeão e, para São Paulo, o de Cumbica. Agora, a coisa é inversa: é São Paulo que está dando para a União o aeroporto de Congonhas.
Realmente, o Banco Central não entende nada de aviação, não sabe avaliar o que significa um aeroporto, quanto ele pode render de juros, overnight, "spread" e outras coisas mais que aquele órgão tão bem conhece.
Ainda mais, seria prestígio para ele afirmar perante o mundo uma coisa que nenhum banco central tem: um aeroporto. Dom Manuel foi o primeiro rei da Europa a ter elefantes e deu um de presente ao papa.
Portugal era assim, terra de referência no passado; agora teremos o primeiro banco central dono de pista de pouso. Também o Banco Central não examinou o potencial de relações públicas de um aeroporto. Nas negociações da dívida externa, o Banco Central poderá oferecer aos nossos credores: "Pouse no nosso aeroporto e goze de nossa hospitalidade".
E tem mais. Iniciada essa transação, abrir-se-ia para nossas autoridades monetárias uma possibilidade de grandes e fabulosos negócios. O Nordeste, por exemplo, poderia tomar uma lição para pedinte permanente, e a União obrigá-lo: "Entregue suas praias em lugar de suas dívidas". E o Banco Central poderia também dizer, orgulhoso: "Somos donos das praias do Nordeste".
No Maranhão, para citar uma só dessas oportunidades, o banco poderia ficar com uma das coisas mais belas do mundo, os chamados "lençóis maranhenses", 200 quilômetros de dunas alvas como garças. Ia haver protesto dos maranhenses, mas colocaríamos uma cláusula proibindo nossa maior instituição bancária de levar as dunas para o Centro-Sul.
Uma coisa, contudo, eu acho que São Paulo não pode dar: é o rio Tietê. Já ouvi dizer que o Banco Central está levando o problema com o Banespa com a barriga, aumentando a dívida, administrando com displicência, para dar um xeque-mate e exigir o rio Tietê.
Aí é demais! Não porque o Tietê tenha maior valor que Congonhas, mas porque o rio foi cantado por Mário de Andrade, na "Paulicéia Desvairada", e ainda guardo de memória, mais ou menos assim: "Águas do meu Tietê/aonde me queres levar?/Rio que entra pela terra/E que me afasta do mar".
O episódio é típico do Brasil, um aeroporto para um Banco Central, e ele recusa. Assim é demais. Não sabe a relação entre pouso e decolagem, overnight e Congonhas.

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