São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 1995
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O vôo do besouro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Antes de mais nada, minha solidariedade ao ministro Sérgio Motta, à sua família, amigos e admiradores. Torcemos todos pela sua rápida e completa recuperação. Não o tenho poupado de críticas, endereçadas não à sua pessoa, mas ao sistema que representa e ao governo que integra.
Fiquei preocupado, digo mais, fiquei preocupadíssimo quando ouvi um repórter da TV enumerar os problemas do ministro. Além dos pepinos do ofício, do partido e do próprio governo (ele parece que funciona como trator e escavadeira do atual poder), Sérgio Motta tem tudo para não dar certo. Lembra o besouro que não foi feito para voar e, no entanto, voa. Não muito elegantemente, como as gaivotas, mas voa.
Segundo o repórter, postado à frente do Hospital Albert Einstein, o ministro é um descuidado. Tem diabetes, hipertensão, vida sedentária, é glutão, seu colesterol é alto. Para coroar tantas e tais ameaças à sua saúde (uma só delas, isoladamente, já seria bastante), o ministro é, como todos sabemos e vemos diariamente nos jornais e TV, um obeso.
É mais fácil fugir do fisco e da polícia do que da fatalidade biológica. Entre um gordo muito gordo e um magro muito magro, tenho mais simpatia pelo gordo. Os magros muito magros me inquietam. Os gordos são mais confiáveis, sujeitos aos mil acidentes da condição humana, vão do bom humor à cólera, da gargalhada ao pranto com naturalidade.
O magro não ri, quer dizer, nunca dá uma gargalhada. E, quando ri, não é pelo que a gente está pensando. Quando chora, também parece que chora por outros motivos.
Os gordos, apesar da consistência e do volume, são transparentes: concorde-se ou não com eles, é mais fácil chegar a acordo com um gordo do que com um magro. Buda, Baco, Momo podem ter lá seus defeitos, mas a gente os entende. Um faquir é incompreensível para o vulgo -embora todos tenhamos alguma necessidade de espinhos e pregos.
Faço votos para que o ministro emagreça, reduza o peso, o colesterol e os diabetes. Mas não fique como o Marco Maciel.

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