São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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'Não o admiro como homem', diz autor

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

Destronar heróis seculares não é tarefa agradável para ninguém. Mas o norte-americano Gerald Geison, 52, esperou o centenário de nascimento do cientista francês Louis Pasteur para lançar um livro que desmitifica boa parte das conquistas e da personalidade do "herói da ciência".
Geison, professor de história da ciência na Universidade de Princeton (EUA), passou 20 anos pesquisando cadernos de anotações pessoais de Pasteur e terminou fazendo de seu "The Private Science of Louis Pasteur" (A Ciência Particular de Louis Pasteur) um dos mais controversos livros de 1995.
O pesquisador demorou quase 20 anos para concluir o livro. "Tinha de ir até Paris para ter acesso aos cadernos e só podia fazer isso nas férias de verão. Além disso, demorei quase um ano para conseguir entender a letra e as abreviações que Pasteur usava", disse Geison na entrevista exclusiva que concedeu à Folha.
O historiador disse que admirava Pasteur como cientista, mas não como homem.
"Muita gente acha que meu livro ataca Pasteur como cientista, mas isso é mentira. Levanto questionamentos éticos sobre a maneira como ele usava cobaias humanas em seus experimentos e mostro que ele não era tão prático e objetivo como se imaginava. Mas isso não significa que ele seja menos brilhante como cientista. Já como pessoa..."
Segundo Geison, Pasteur era muito mais criativo do que as biografias que precederam a dele indicam. "Como a ciência da época era muito positiva, o lado criativo de Pasteur ficou sufocado, escondido. Hoje, provavelmente, não seria necessário esconder essa face controversa e menos prática."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Geison concedeu à Folha na última segunda-feira.

Folha - O que fez o senhor decidir escrever a biografia sobre Pasteur?
Gerald Geison - Tudo aconteceu por acaso. Pediram-me para escrever um artigo sobre ele para o "Dicionário de Biografias Científicas". Comecei a pesquisar e vi que os cientistas fora da França tinham opiniões bastante críticas, mas pouco conhecidas sobre Pasteur. Aos poucos, fui desvendando o lado dele que a opinião pública não conhecia e comecei a pensar seriamente em fazer algo mais profundo, como um livro.
Folha - Quando o sr. viu as anotações de Pasteur pela primeira vez?
Geison - Em 1976, na Biblioteca Nacional de Paris, enquanto fazia a pesquisa para o artigo no dicionário. Os cadernos de Pasteur tinham acabado de ficar disponíveis, e eu fui até lá. Demorei quase um ano só para entender a letra e as abreviações que ele usava. Você não imagina que caligrafia horrível ele tinha. Quando comecei a entender, fiquei fascinado porque descobri um homem totalmente diferente do que eu esperava.
Folha - Por que houve tanta mistificação em torno de Pasteur?
Geison - Há várias razões para isso, como explico no livro. A principal é o exagerado nacionalismo francês, que impediu que qualquer visão negativa de Pasteur atravessasse as fronteiras do país. Outro ponto que facilitou a criação do mito foi o fato de ele ter vivido numa época em que a ciência era extremamente positiva, e ele ser considerado um dos biólogos mais práticos e objetivos do mundo.
Folha - O fato de a primeira biografia sobre Pasteur ter sido escrita por um genro dele contribuiu para a criação do mito?
Geison - Sem dúvida. Porque todas as outras biografias que vieram depois se basearam nesta.
Folha - O sr. acha que seu livro traz uma visão negativa de Pasteur?
Geison - De maneira alguma. O artigo que publiquei no dicionário científico tem críticas muito mais duras. O livro é bastante balanceado e mostra os dois lados.
Folha - Que lados?
Geison - O lado do homem e o do cientista. Pasteur não era perfeito, mas ele foi um grande cientista, um dos maiores. Como homem ele não era lá essas coisas, mas e daí?
Folha - Qual era o problema do homem Pasteur?
Geison - Ele não era o tipo de pessoa que eu admiraria. Era arrogante com as pessoas, extremamente competitivo e grosseiro com seus rivais. A única coisa que ele tinha de bom era que gostava de crianças.
Folha - O sr. esperava que o livro causasse tanta polêmica?
Geison - Não tinha nenhuma expectativa. Sabia que aqui nos Estados Unidos a recepção seria boa e recebi críticas positivas no Reino Unido. Na França, como já era de esperar, fui ignorado.
Folha - Por que o sr. acha que as notas de Pasteur demoraram tanto para se tornar conhecidas?
Geison - Não demorou tanto tempo assim...
Folha - Foram 20 anos.
Geison - Há duas razões básicas. A primeira é que não é fácil entender as anotações de um cientista. Eles escrevem para eles mesmos e não se preocupam com a lógica ou sistematização das anotações. Tive de fazer um trabalho de detetive, porque Pasteur só escrevia os resultados de seus experimentos, e eu tinha de descobrir por que ele estava fazendo aquelas tentativas, onde queria chegar. Foi bem complicado. A segunda é que a comunidade científica não costuma dar importância às anotações.
Folha - Por quê?
Geison - Porque, para a ciência, o importante é o resultado final e não o processo de descoberta.

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