São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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'Quero que conheçam minha amiga lésbica', dizia Mary McCarthy

MARILENE FELINTO
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO E A PETRÓPOLIS

Em 1930, aos 19 anos, Elizabeth Bishop foi matriculada na então tradicional Vassar College, faculdade para moças, no Estado de Nova York. Ali fez algumas de suas amizades mais sólidas e duradouras: Frani Blough, Margaret Miller, Louise Crane e a escritora Mary McCarthy.
"Eram os anos da depressão. Éramos mais rebeldes, mais diferentes. (...) Vassar educava meninas muito bem até, mas também inculcava-lhes uma espécie de superioridade muito típica de Vassar", Mary McCarthy lembra, em depoimento a documentário de Jill Janows.
Também em Vassar, Bishop começou a desenvolver seus dons de poeta, embora tivesse hesitado entre escolher música ou poesia. Suas colaborações no jornal da faculdade, "Vassar Miscellany News", de que se tornaria editora-chefe, destacavam-se.
Elizabeth Bishop e Mary McCarthy não seriam íntimas depois de Vassar, mas não perderam contato. McCarthy também era amiga íntima do poeta Robert Lowell. Em carta de 1938, para Frani Blough, Bishop elogia os dotes intelectuais de McCarthy: "Recebi o último número da 'Partisan Review' alguns dias atrás -não é muito interessante, a não ser por um excelente artigo de nossa Mary sobre as produções nova-iorquinas de Shakespeare (...)".
Só em 1977, quando o grupo de velhos amigos planejava se reunir em North Haven -onde Bishop estava passando uma temporada com sua última amante, Alice Methfessel-, McCarthy soube que Elizabeth estava há anos magoada com ela.
Na ocasião, Bishop informou a Lowell que não iria ao encontro se McCarthy estivesse presente. Ela estava certa de que McCarthy se inspirara em Lota para criar o personagem da condessa em seu romance "O Grupo" (1963).
Um amigo de Bishop, o poeta Frank Bidart, comenta o caso em "An Oral Biography": "Por causa da figura da condessa em 'O Grupo', ela se arrependeu muito de ter deixado McCarthy conhecer Lota". Bidart explica que Elizabeth Bishop não queria ir ao encontro de North Haven levando Alice Methfessel, por temer que McCarthy fosse transformar a moça em outro episódio de romance. "Ela certamente não perdoou McCarthy".
A partir desse episódio, Bishop passou a reclamar da conduta de Mary McCarthy, afirmando que esta seria capaz de apresentá-la a um grupo de novos amigos dizendo: "Quero que vocês conheçam Elizabeth Bishop, minha amiga lésbica". Segundo Lloyd Schwartz, Bishop "não queria ser alvo do olhar público; era muito tímida, reservada".
Mary McCarthy sempre negou que tivesse se inspirado em Lota. Lamentava em especial que a velha amiga nunca tivesse tratado diretamente com ela o assunto. Mandou uma carta para Bishop explicando os fatos dois anos mais tarde. A carta chegou poucos dias depois de Elizabeth Bishop ter morrido, em 1979.

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