São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 1995
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O emburrecimento da polêmica

LUÍS NASSIF

Uma das características principais de uma sociedade politicamente moderna é o poder moderador da chamada opinião pública. Trata-se de dado cultural fundamental, que permite formas de controle indicativas, e muito mais eficientes, sobre o sistema político e econômico.
Sempre que um setor está sendo excessivamente beneficiado, ou torna-se ameaça pelo poder que representa, imediatamente a opinião pública reage, definindo limites a sua atuação. O mesmo ocorre com setores que estejam sendo vítimas de penalizações indevidas.
No sentido moderno, portanto, a opinião pública não é engajada, nem pode se fechar em torno de posições preconcebidas. Seu papel é o de detectar desequilíbrios de toda ordem -políticos, econômicos, sociais- e exercer pressão para que sejam corrigidos.
A imposição autocrática cede lugar à discussão democrática, onde prevalecem os argumentos mais consistentes. Demandas setoriais tornam-se legítimas ou não dependendo de suas implicações sobre os interesses gerais -entendidos aí, interesses do conjunto de contribuintes-consumidores-cidadãos. E as distorções são corrigidas muito mais rapidamente do que no velho modelo centralizador.
Esses interesses podem ser de ordem econômica (pela influência nos indicadores macroeconômicos do país), social (pelo que representam em termos de emprego) ou política (para impedir excesso de poder de uma das partes).
Legitimidade
Esse modelo vale para se arbitrar qualquer demanda, mas não pode ser aplicado mecanicamente. Há a necessidade de se conhecer adequadamente o funcionamento de economias de mercado e dispor de capacidade mínima para prever consequências de medidas adotadas.
A afirmação de direitos trabalhistas é demanda legítima, como condição essencial para a melhoria de renda, aprimoramento dos direitos sociais e formação de um mercado consumidor. Greves que afetem o conjunto da população, não.
O fortalecimento da agricultura é demanda legítima, para garantir alimentos, empregos, divisas e o potencial de consumo do setor. O perdão das dívidas dos agricultores ou a volta do velho modelo de crédito subsidiado, não.
Legislação antidumping é demanda legítima de todo setor interno prejudicado por concorrência externa desleal. Proibição de importações ou alíquotas excessivas, não.
Essa complexidade parece algo distante da discussão atual sobre economia e reformas, que mais parece jogo de torcida organizada.
Em quase toda posição econômica há beneficiários e prejudicados. A posição do analista consiste em analisar e propor medidas dentro do conjunto, analisando a legitimidade ou não de cada posição.
Despreparo
Em vez da discussão do mérito, nos últimos tempos os debatedores mais despreparados passaram a recorrer ao jogo "a quem interessa". Qualquer despreparado se julga apto a entrar no debate, bastando para tanto essa supina genialidade de descobrir que posição tal interessa a tal setor.
A atual política de juros afeta lucros de empresas, nível de emprego, receitas de Estados e compromete a dívida pública. Portanto, sua redução interessa a trabalhadores, Estados, União, contribuintes e empresas. Por outro lado, seus defensores sustentam que ela é fundamental para manter a estabilidade inflacionária.
Em vez de se discutir o mérito dos argumentos -o que exige conhecimento técnico- basta dizer que quem propõe redução de juros é lobista de governadores ou da Fiesp. E não se fala mais nisso.
A valorização do real provocou desequilíbrios na balança comercial. Para não mexer no câmbio optou-se pela recessão -que reduz as demandas de importação e gera excedentes para exportação. Portanto, câmbio mexe com emprego, renda e divisas. Basta dizer que quem defende o ajuste do câmbio é lobista dos exportadores, para varrer a discussão para debaixo do tapete.
Quando se deparar com declarações desse tipo, o leitor não tenha dúvidas: confira a autoria, porque atrás delas estará sempre uma pessoa despreparada.

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