São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 1995
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Gerald Thomas converte Fausto à pintura

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor de teatro carioca Gerald Thomas, 40, apresenta a partir deste domingo, na Ópera de Graz, Áustria, sua versão da ópera "Doutor Fausto", do italiano Ferruccio Busoni (1866-1924).
A montagem é regida pelo espanhol Arturo Tamayo. A abordagem, como sempre em Thomas, gera polêmica. "Chamo-a de obra do acaso total (Gesamtglcksfallswerk), parodiando a obra de arte total de Wagner", diz o diretor, por telefone, de Graz.
Ele já está recebendo apupos e ovações na imprensa de língua alemã por anunciar a alteração do mito de Fausto a fim de que este funcione como uma alegoria dos dilemas da arte contemporânea.
Ajunta princípios novos à simbologia habitual do ajuste com o demônio e da insatisfação diante do conhecimento. O alquimista Fausto é convertido em pintor contemporâneo. Narcisista, vive um calvário criativo que o conduz do pacto à vernissage. Mefistófeles se torna um modesto ceramista. "O diabo é uma alma simples. Lembra a Fausto a dimensão e a mortalidade do ser humano", conta.
No texto do programa a ser distribuído em seis récitas até novembro, Thomas reintitula a ópera para "Fast", que significa "quase" em alemão e "rápido" em inglês: "Quase, para definir a incompletude da ópera. Rápido, adjetivo que se aplica ao desejo de transgressão e o medo da estagnação na arte contemporânea."
Quinta escrita pelo músico, a ópera ficou inacabada. O próprio Busoni elaborou o libreto, seguindo fielmente o poema do alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Um aluno de Busoni, Philipp Jarnach, completou a música depois da morte do mestre.
A partitura é neoclássica; tonal e lógica. Uma coleção de barítonos aparece em posições-chaves. No papel principal está o inglês Jacek Strauch. Mefistófeles é vivido pelo norte-americano Alan Cemore. O reitor Wagner, pelo grego Konstantin Sfiris. O brasileiro Miguelangelo Cavalcanti faz um dos estudantes de Cracóvia, equipado com asas de abutre.
Apesar de usar uma das divas da opereta, a soprano austríaca Martina Serafin, no papel de duquesa de Parma, Thomas não deseja fazer humor com a obra. "Há bom humor, mas predomina a metamorfose dos elementos."
Instalou um palco giratório para fazer mudanças nas três horas e meia de encenação. Telas brancas de Fausto são tingidas por um detonador. No fim, reaparecem como cobertores de mendigos. Armários viram oratórios e rodas de bicicleta -"leitmotiv" em Thomas, via Duchamp-, obras de arte.
O palco aumentou em 20% o custo da montagem, que, a princípio, estava orçada em US$ 800 mil. "Agora sinto o teatro na ópera", afirma. "Traduzo o procedimento de Goethe, que usava as palavras como fantoches, como metalinguagem. Por tudo isso, dedico a montagem ao poeta e estudioso de Goethe Haroldo de Campos."
Ele tem um contrato de cinco anos em Graz, iniciado em 1994 com a exitosa montagem de "Narciso", de Beat Furrer. "Doutor Fausto" é sua oitava ópera numa carreira iniciada em 1987 com "O Navio Fantasma" no Rio.
Já agenda para 1996 "Moisés e Abraão", de Schoenberg, em Weimar, em maio, e "Tristão e Isolda", em Berlim, em agosto.
Embora com as carreiras de encenador e diretor de teatro consolidadas, ele se considera um mal-amado pelos amantes da ópera brasileiros. "Tenho trabalhado nas melhores casas do ramo, mas nunca mais recebi convite para encenar óperas no Brasil", lamenta-se.

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