São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 1995
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Esquerda versus esquerda

DARCY RIBEIRO

No meu segundo exílio, fui ter à Venezuela e, depois ao Chile. Ali, assessorei o presidente Salvador Allende na tentativa generosa de construir o socialismo em liberdade a partir de sua vitória eleitoral. Tentava-se realizar, no Chile pobre e atrasado, a Revolução Socialista prevista pelos clássicos e que deveria ter-se concretizado nas nações de capitalismo maduro. Por exemplo, na Itália e na França, social e economicamente avançadas, que contavam com fortes partidos socialistas e comunistas. Mas que nunca se efetivou porque esses partidos lutavam mais um contra o outro do que contra a direita.
Não vendo qualquer possibilidade de o Brasil renovar-se por esse caminho, aceitei ir para o Peru ajudar seus militares, liderados pelo presidente Velasco Alvarado, a pensar a revolução social profunda que estavam levando a cabo ali. Imaginava ser muito mais provável uma revolução brasileira viabilizada com apoio armado. É curioso lembrar que Glauber Rocha, depois de me visitar no Peru, voltou ao Brasil dizendo que Golbery e eu éramos os gênios da raça. Ele acreditava estar trabalhando no Brasil por um projeto peruano.
Vi ultimamente, com enorme alegria, que não tinha razão. O povo brasileiro, apesar do seu atraso, vota na esquerda, como se comprovou nas duas últimas eleições. Essa é que não está à altura do desafio de se estruturar para enfrentar a direita com um projeto próprio e realístico de co-governo. Vejo, assim, tardiamente, que poderíamos tê-lo alcançado. Se não o poder, pelo menos o controle da máquina do Estado, único caminho para construir uma nova ordem social favorável ao povo.
Será superável, algum dia, essa dilaceração das esquerdas, odiando-se umas às outras, incapazes de uma ação unitária? As duas coisas de que o Brasil mais necessita só uma esquerda unida lhe poderia dar.
Primeiro, formular e generalizar a todo o povo a convicção de que nosso atraso e fome não são naturais nem necessários. Podem perfeitamente ser erradicados. Segundo, alcançar a lucidez necessária para atuar dentro de nossa história como sucessores dos que lutaram no passado para ir alcançando as conquistas sociais que temos. Sucede justamente o contrário. Betinho clama pela indignação contra a fome diante das esquerdas indiferentes. Essas se prostam diante da agressividade da nova direita, audaciosa e arrogante.

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