São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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Ars Antiqua levanta público do Municipal

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O quase-silêncio do quarteto Ars Antiqua de Paris embargou anteontem a platéia que lotava o Teatro Municipal. O grupo de música histórica, especializado em cancioneiros medievais e renascentistas, fez um concerto gratuito de duas horas, sem deixar a monotonia se sobrepor à sutileza dos timbres e das composições.
Os músicos revezaram tambores, flautas, cromornas, carrilhões, harpas, saltério e alaúde para dar forma a 23 músicas ancestrais, feitas mais de vazios e silêncios do que estruturações arquitetadas. Completá-las com fantasia foi a tarefa da platéia.
A voz de contralto, assexuada e castrada de Joseph Sage arrematou a noite. Ele interpretou de peças medievais de inspiração sacra -"Reis Glorios", um organum de Guiraut de Borneilh- a canções pornográficas do quinhentos -como "Un Satyre Cornu".
Valeu-se da mesma concentração meditabunda para louvar ao rei e contar o episódio do sátiro chifrudo que, ao atacar uma moça, vê-se ameaçado de ter cortadas suas três pontas por ela, porque seu desempenho amoroso foi ruim. Tudo ficou muito engraçado com os agudos a saírem do crânio coberto de cabelos brancos de Sage, vestido de terno e gravata.
A sisudez aparente do grupo se desfez durante o espetáculo. O Ars Antiqua é um dos mais antigos grupos de música antiga da Europa. Tem 30 anos de carreira e já se apresentou outras vezes no Brasil. Enquadra-se na primeira geração dos conjuntos históricos profissionais surgida na Europa. Os seguidores da tendência pregam pela reconstituição dos procedimentos interpretativos remotos. Mas cada geração de "históricos" tem sua maneira de tocar. Pode-se criticar o caráter restritivo da abordagem do Ars Antiqua. Este, porém, é o traço da música histórica dos anos 60: o apego excessivo às fontes.
O concerto foi vincado pela fidelidade às partituras arcaicas. Estas apresentam mais reticências do que balizas interpretativas. Os grupos atuais preenchem os brancos com um festival de instrumentos esquisitos. Já o Ars Antiqua adentra pelas reticências, até torná-las audíveis e familiares.
Um alaúde ou um silvo de contratenor são fenômenos sonoros quase incorpóreos, dos quais o público deve estar familirizado para compreender. Pelo jeito, o do Municipal já está.

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