São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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A questão da privacidade

BILL GATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se você está preocupado com as ameaças à privacidade na era eletrônica que agora se inicia, não é o único. Eu também me preocupo com isso.
"A informação na ponta dos teus dedos" é um dos lemas da Microsoft e é a promessa da era eletrônica. Mas precisamos tomar cuidado em relação a quais informações, na ponta dos dedos de quem.
Não me interprete mal. Ninguém é mais otimista do que eu em relação às perspectivas de a informática tornar a vida melhor e mais interessante para o cidadão médio.
Milhões de pessoas, por exemplo, estão descobrindo os prazeres do correio eletrônico, uma maneira facílima e rápida de manter-se em contato com amigos, familiares e colegas em qualquer parte do mundo.
Mas meu otimismo fundamentado não me torna cego para os potenciais problemas, entre os quais está a ameaça à privacidade.
A mesma tecnologia digital que torna tão fácil a comunicação entre as pessoas também faz com que seja muito fácil bisbilhotar a correspondência alheia.
Felizmente, os problemas que têm origem na tecnologia frequentemente têm solução. O correio eletrônico, por exemplo, vai se tornar muito mais particular e resguardado.
Muitas empresas, entre as quais a minha, estão trabalhando com o intuito de assegurar que as comunicações não possam ser interceptadas e decifradas.
É claro que a interceptação não é a única ameaça à privacidade das comunicações. Uma lição a ser aprendida com o correio eletrônico é que nunca se sabe ao certo quem poderá terminar por ler as mensagens ou por quanto tempo seus destinatários vão guardá-las.
Mensagens enviadas pelo correio eletrônico podem ser reexpedidas a pessoas que você jamais imaginou que iriam lê-las. Podem facilmente ser guardadas por anos a fio e consultadas novamente em um piscar de olhos.
Por essa razão, o correio eletrônico é basicamente menos privado do que uma conversa que não foi gravada.
A falta de privacidade tem um efeito intimidador sobre o uso de correio eletrônico para determinados tipos de mensagens confidenciais -as coisas que as pessoas falam, mas que não ousariam pôr no papel.
A tecnologia pode ajudar a superar esse problema de privacidade. Você pode esperar, para o futuro, correio eletrônico que, se o remetente assim optar, não poderá ser reexpedido a ninguém nem impresso sobre papel. Pode esperar, também, correio eletrônico que permita que uma mensagem seja escrita sobre o equivalente digital a tinta que desvanece, de modo que só possa ser lida ou vista uma vez.
Comunicações desse tipo são apenas uma parte do que as pessoas talvez queiram manter em sigilo. Você provavelmente não vai querer que muitas informações sobre suas preferências pessoais -aonde você foi, o que você comprou- sejam repassadas e compartilhadas em redes eletrônicas.
Muitas informações desse tipo já são coletadas no decorrer normal dos negócios. Quando você liga para um banco ou empresa que envia produtos por remessa postal, a pessoa com quem você fala pode estar olhando uma tela de computador contendo informações sobre você e as transações comerciais que realizou recentemente.
Sua empresa telefônica, sua empresa de cartão de crédito, a videolocadora que você frequenta e seu médico, todos conhecem determinados fatos a seu respeito.
Normalmente, não há nada de errado com o fato de essas empresas compilarem determinados dados a seu respeito. Pelo contrário, dispor de informações apropriadas que podem ser consultadas com facilidade se está tornando essencial para empresas que querem fornecer níveis competitivos de atendimento ao consumidor.
Mas a privacidade corre perigo se essas informações se espalharem demais ou forem compartilhadas com muita gente -ou se forem coletadas e distribuídas sem seu consentimento.
O fato de as informações ficarem tão espalhadas, atualmente, protege sua privacidade de maneira informal, porém muito concreta. Muitas informações pessoais costumam ser guardadas por tempo limitado, e dados de diferentes fontes não são correlacionados para fornecer um retrato mais amplo. Presume-se que seu banco esteja a par só de seus hábitos bancários.
Hoje, portanto, podemos contar com a ineficiência da informática para preservar nossa privacidade. Mas isso está chegando ao fim. As redes informatizadas e outros instrumentos novos vão simplificar o trabalho de coletar, correlacionar e acessar informações sobre pessoas.
A tecnologia por si só não pode nos proteger. É preciso que sejam adotadas políticas públicas a respeito desse assunto. Prevejo que a questão da privacidade será amplamente discutida, e que políticas muito bem pensadas a respeito serão implementadas. Essas novas políticas vão ampliar a abrangência das leis de privacidade que já existem em muitos países.
A necessidade de políticas explícitas e leis apropriadas decorre da eficiência da informática.
Enquanto era impraticável coletar e distribuir grandes quantidades de informações pessoais, só eram necessárias normas modestas para regulamentar a privacidade.
Quando se tornar muito fácil coletar e compartilhar informações, a necessidade de diretrizes explícitas ficará evidente.
Uma questão que pretendo tratar em uma coluna futura diz respeito a até que ponto os governos deveriam ser legalmente autorizados a interceptar comunicações ou monitorar seus cidadãos.
Uma questão mais sutil (que por enquanto está apenas despontando no horizonte) envolve a propriedade das informações comerciais relativas às preferências pessoais de cada cidadão. Será que seu perfil eletrônico pertence a você ou à empresa que compilou o perfil?
Imagine que até a virada do século você tenha passado a utilizar um "agente de viagens" automatizado -não um agente de viagens humano, mas um software consultado em uma rede. Com o passar dos meses e dos anos, o agente acabaria por "conhecer" suas necessidades e preferências em termos de viagens, por meio de um acompanhamento cuidadoso das opções que você faz e de suas viagens. Com esse perfil em mãos, o programa poderia fornecer um ótimo atendimento.
Se a agência de viagens fosse proprietária de seu perfil, ela poderia vendê-lo a outras empresas interessadas em vender produtos a pessoas com um perfil como o seu. Essa é uma questão que diz respeito à privacidade.
A questão de definir quem é dono do perfil também repercutiria em quem tem o direito de lucrar com o perfil de outras maneiras. Se você mesmo fosse o dono, poderia transferi-lo eletronicamente a outra agência de viagens, para que pudesse continuar a se beneficiar dele. Mas se você não tivesse o direito de transferir o perfil a uma empresa concorrente, seria incentivado a continuar utilizando os serviços da empresa proprietária do seu perfil.
É possível que algumas dessas questões acabem sendo resolvidas pelo mercado. Por exemplo, as pessoas talvez aprendam a evitar as agências de viagens que não compartilham perfis pessoais com outras -ou que as compartilham com empresas demais.
Mas nem todas as questões relativas à privacidade poderão ser resolvidas pelo mercado nem tampouco pela tecnologia. Precisaremos de muitas discussões sobre esse assunto, levando à adoção de políticas públicas inteligentes.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill microsoft.com.

Tradução: Clara Allain

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