São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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Conversa fiada

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Afinal, a onda de desemprego decorre dos juros pornográficos ou da modernização das empresas? Eis o enigma que desafia o Brasil do real.
Empresários e sindicalistas põem a culpa na política monetária de Brasília. Hoje, em reunião com Pedro Malan, pedirão ao ministro que reconsidere a estratégia dos juros lunares.
O governo responsabiliza as empresas. Rejeita diagnósticos recessivos. Diz que as demissões ocorrem porque as firmas estão trocando braços por máquinas, suor por eficiência.
Quem está com a razão? Ninguém e todos. Já me explico: o mais provável é que a causa do desemprego esteja na combinação dos argumentos de empresários e sindicalistas com os do governo.
Há tempos o fantasma do desemprego rondava o país. Nos primeiros meses do ano, o Brasil cresceu 10,5%. Nem por isso a oferta de bons empregos aumentou significativamente. Sinal de que está certo o governo quando diz que as empresas são hoje mais eficientes.
Desde maio, o governo decidiu pôr os juros na lua. Inicialmente, para conter o consumo. Depois, também para sustentar o câmbio sobrevalorizado. Espera-se agora que o crescimento anual não passe de 5%. Vieram as primeiras concordatas, a inadimplência e as demissões. Indícios de que empresários e sindicalistas têm razão quando apontam para os juros.
Ótimo para animar seminários, o debate é inócuo do ponto de vista das pessoas que estão sendo privadas do relacionamento diário com o relógio de ponto. Para os 1.600 demitidos da Mercedes, pouco importa se a razão está com Malan, com a Fiesp, com o sindicato dos metalúrgicos ou com os três.
Para os 93 mil trabalhadores sem emprego desde agosto na Grande São Paulo, o essencial é que, em setembro, não pingou nenhum real no seu bolso. Ou os contendores encontram uma fórmula que reanime o bolso desse cidadão, ou seus argumentos soarão como discurso para ninar bovinos.
De resto, sempre se poderá tratar o problema do desemprego sob a ótica das estatísticas, números frios e impessoais. O problema é que o desempregado e seus familiares são de carne e osso. E conversa fiada ainda não enche a barriga de ninguém.

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