São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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Outros tempos, outros homens

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Essas reuniões de governadores de Estado com a cúpula federal (presidente da República, ministros, secretários-gerais e funcionários-chave) revelam uma das contradições do neoliberalismo vigente. Para o público externo, acusa-se o Estado de dinossáurico e paternalista. No fundo, o que prevalece é o Estado centralizado, tão compacto e impenetrável que os governadores são obrigados a gastar metade de suas jornadas de trabalho na tarefa de pedir, suplicar ou se explicar diante do poder central.
A impressão que se tem, aqui fora, é que nenhum governador possui autonomia administrativa e vontade política para pregar um prego, demitir um corrupto ou contratar um contínuo que lhe sirva café e água gelada sem antes rogar e dobrar as resistências do presidente do Banco Central, do ministro do Planejamento, do secretário da Receita Federal, do ministro da Fazenda. Vencido esse calvário, há que obter a aprovação do Pai de Todos, o presidente da República.
Para tão patriótico e confuso trânsito, sempre é bom os governadores irem munidos de algum alvará, um óleo lubrificante que os faça escorrer pelas engrenagens do poder com a viscosidade recomendável.
Daí, convém acrescentar à lista de ministros e secretários-gerais uma visitinha a dona Ruth. Apesar de suas preocupações antropológicas e sociais, de seu duro expediente na Comunidade Solidária, que -todos sabemos- acabará com a fome no Brasil, ela sempre arranja um tempinho para saber se aquela ponte no Piauí é mais importante do que a privatização do cemitério de Bom Jesus de Itabapoana.
Houve tempo em que os governadores não se submetiam de forma tão acachapante ao poder central. Juscelino em Minas e Lacerda na Guanabara fizeram obras gigantescas em seus Estados sem aprovação e até mesmo contra a vontade do governo federal. Bem, eram outros tempos. Os homens também eram outros.

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