São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 1995
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Ainda a fusão

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Uma pesquisadora entregou trabalho na Fundação Getúlio Vargas lembrando que a fusão do Estado do Rio com a Guanabara não foi de exclusiva inspiração do regime militar. Para provar a tese, ela desencavou artigos, discursos e depoimentos de Carlos Lacerda e Afonso Arinos, dois homens da velha UDN, inspiradora e instigadora (mais tarde beneficiária) do movimento de 1964.
Antes de mais nada: Carlos Lacerda foi um dos maiores governadores/prefeitos do Rio. Afonso Arinos foi um intelectual brilhante, um parlamentar histórico. Ambos pertenceram à UDN -que sempre perdia no antigo Distrito Federal. Lacerda foi eleito com uma vantagem de 2% sobre o segundo colocado. E naquela eleição foi lançado um udenista muito popular, Tenório Cavalcanti, para dividir o eleitorado da oposição. Não fosse isso, Lacerda teria amargado uma derrota eleitoral -o que, aliás, teria privado a cidade de um excelente governador.
A UDN -e notadamente Lacerda, suplementarmente Arinos- inspirou não apenas a fusão da Guanabara, mas o próprio movimento militar de 64. Eles foram aquilo que o marechal Castello Branco, já rompido com Lacerda e com os círculos que gravitavam em torno dele, chamou de "vivandeiras de quartel". Traduzindo: aquele tipo de político que, não chegando ao poder por meio da expressão democrática, que é o voto, apelava para os quartéis, para o regime de exceção, para a força.
Não conheço o trabalho da pesquisadora. Mas a amostragem que saiu na imprensa mostra o óbvio, referenda o óbvio, proclama o óbvio: a fusão foi feita justamente para que políticos da UDN ganhassem sempre na Guanabara, quebrando a espinha dorsal do hereditário espírito de oposição do antigo Distrito Federal.
No ocaso do regime militar, entre as salvaguardas tidas e havidas, foi providenciado o fim político de uma cidade que sempre, desde a colônia, vice-reinado, Império e República, marcou-se pela oposição ao sistema dominante.

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