São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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O Congresso avança

MAILSON DA NÓBREGA

O parecer do relator da reforma administrativa na Comissão de Constituição e Justiça, anteontem estampado nos jornais, contradiz o título deste artigo. Para o deputado Prisco Viana (PPB-BA), quase tudo é direito adquirido. Os absurdos da Constituição de 1988 teriam continuidade garantida.
Quem quiser mais combustível para o pessimismo pode valer-se da pesquisa do Idesp (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo) realizada no Congresso entre 1º de agosto e 15 de setembro pelos professores Bolívar Lamounier e Amaury de Souza.
Foram ouvidos 409 parlamentares (69% do total). Apesar de 77% acharem o governo FHC ótimo, bom ou regular, é escasso o apoio às reformas necessárias a consolidar a estabilidade econômica, a principal fonte de prestígio do presidente.
Para reduzir a pobreza, 82% querem a retomada do crescimento e a criação de empregos. Apenas 30%, contudo, apóiam rumos mais sensatos na área da Previdência Social. Somente 25% concordam em eliminar as vinculações de receitas.
Essas medidas são essenciais para aumentar a poupança doméstica e mudar o doentio regime fiscal. Sem elas, dificilmente haverá estabilidade duradoura, desenvolvimento sustentado e melhoria na distribuição de renda.
Os 60% de votos necessários à aprovação de reformas constitucionais também não são atingidos em outros casos, como a revisão da estabilidade no emprego público (35%) ou o reexame da isonomia salarial (36%).
Malgrado esse quadro decepcionante, é preciso ver como o Congresso se movimenta no tempo em questões fundamentais. Sob esse prisma, a evolução é animadora.
A privatização dos bancos estaduais já é apoiada por 56%. Destes, 46% aceitam a participação estrangeira nessa privatização. Em 1988, esse percentual devia ser baixíssimo. Surpresa maior: 11% dos parlamentares do PT apóiam a medida.
Já são 88% os que defendem a eliminação do limite dos juros reais na Constituição. É muito mais do que a proporção dos que aprovaram o dispositivo em 1988. A revisão do papel da Justiça do Trabalho em questões econômicas tem o apoio de 32%, o que é muito, se considerada a arraigada cultura paternalista da classe política brasileira.
A eliminação do ICMS nas exportações é aceita por 57%, um bom percentual. Em 1988, a visão era outra: os constituintes deram uma marcha a ré, retirando a imunidade tributária de que gozavam as exportações de produtos semi-elaborados.
A pesquisa confirma previsões sobre as dificuldades de aprovação das propostas do governo. De fato, o êxito e a velocidade na aprovação das reformas da ordem econômica não deverão repetir-se. Estas requeriam resposta simples e binária (sim/não) à quebra dos monopólios e às restrições ao capital estrangeiro.
As reformas ora sob exame do Congresso são complexas e enfrentam interesses de grupos politicamente fortes: Estados, municípios, Legislativo, Judiciário, servidores públicos. A coesão entre os aliados do governo é menor agora que no primeiro semestre.
A experiência mostra, entretanto, que deputados e senadores revêem posições quando as questões atingem grau satisfatório de amadurecimento. Os resultados da pesquisa, antes de servirem para alimentar a fracassomania, devem ser vistos como reveladores de que esse amadurecimento está em marcha.
Mesmo sem as reformas políticas necessárias para melhorar a eficiência decisória do sistema político, as mudanças têm acontecido, embora lentamente. A cada ciclo eleitoral, as transformações culturais que se operam na sociedade influenciam positivamente o Congresso. Visões como a do deputado Prisco Viana têm-se tornado minoritárias.
Efetuar reformas numa sociedade complexa e fragmentada como a brasileira é um processo difícil, que requer paciência e muita negociação. É preciso, pois, discutir tudo à exaustão: conceitos, justificativas e consequências das propostas. O seu correto entendimento é essencial para vencer resistências e, já agora, derrotar o parecer no plenário da Comissão.

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