São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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Nem hora, nem vez...

HENRIQUE RATTNER

Numa série de artigos publicados recentemente pela Folha ("A hora e a vez dos subdesenvolvidos", o último na edição de 9 de setembro), o embaixador Rubens Ricupero apresenta análise e prognóstico otimistas sobre o futuro dos países "subdesenvolvidos".
Lamentavelmente, a análise peca por um excesso de economicismo estreito, fundamentado em taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), sem abordar as dimensões mais substantivas -cultural e política- do desenvolvimento.
Impressionado com as taxas de crescimento da China, Índia e Indonésia nos últimos anos, o embaixador é levado a especular sobre o futuro promissor dos "subdesenvolvidos".
Ora, a falácia de postular o crescimento econômico como condição suficiente do desenvolvimento é demonstrada pelos inúmeros casos do pós-guerra na América Latina, Oriente Médio, Argélia, ex-URSS -e, provavelmente, o será amanhã pelos casos da Tailândia, Malásia, Indonésia etc.
Não há menção a indicadores qualitativos do desenvolvimento, tais como "qualidade de vida", níveis de educação, saúde e, sobretudo, o respeito aos direitos humanos (seriam Indonésia e China exemplos apropriados?)
A evolução das sociedades nos últimos séculos pode ser aferida pela progressiva transição do sistema sociopolítico regido pelo direito divino para o de direito natural, até acenar, no limiar deste século e milênio, com a possibilidade de estabelecer-se um Estado fundamentado nos direitos humanos, na solidariedade e na justiça social, sem negar o espaço de autonomia e criatividade dos indivíduos.
Esses direitos são motivos de confrontação e lutas internas em cada sociedade. Maiores taxas de crescimento econômico não garantem, em absoluto, concessões e consentimento para executar reformas sociais indispensáveis por parte das "elites".
Estas se dão muito bem, mesmo no "subdesenvolvimento", como demonstra seu consumo ostentatório e de desperdício. O próprio embaixador e, depois, o ministro Ciro Gomes, em pronunciamentos públicos, referiram-se em termos não muito elogiosos às "elites" do país, aliás amplamente ilustrados pelo caso recente do Banco Econômico da Bahia.
Outra tese equivocada de Ricupero aponta para o peso crescente na economia mundial dos países que não fazem parte da OCDE.
Parece ignorar que seu crescimento econômico é baseado na transferência de plantas e fábricas dos países ricos para os pobres, para lugares onde os recursos naturais são abundantes, a mão-de-obra é barata e sem proteção do Estado -que se apressa em suprir infra-estrutura e toda espécie de incentivos e subsídios- e onde não há um mínimo de proteção ambiental e da saúde da população e dos trabalhadores.
Pouco desse crescimento -se algum- pode ser atribuído à acumulação interna, a menos que se queira contabilizar inúmeros edifícios, obras e projetos inacabados, iniciados com empréstimos/financiamentos externos, que resultaram nas dívidas interna e externa insolváveis e, ao mesmo tempo, parecem justificar a política antiinflacionária e recessiva imposta pelo governo aos mais vulneráveis e indefesos.
Em vez de uma proposta de reconstrução coerente e integrada, assistimos ao espetáculo deprimente da peregrinação dos governadores (Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio e, certamente, também Minas e São Paulo) para implorar às montadoras que se estabeleçam nos respectivos Estados, mediante incentivos e subsídios cada vez mais generosos.
Seria esse o padrão de desenvolvimento "sustentável" e almejado? Insistindo nas teclas batidas, obsoletas e superadas pela própria dinâmica das sociedades em via de transformação induzida pela globalização, o discurso do embaixador não elucida o processo e as forças contraditórias atuantes e, assim, não contribui para enfrentar os desafios da reestruturação social e política.
Por outro lado, reforça a mensagem da inevitabilidade do modelo e da estratégia propostos, servindo de instrumento para legitimação e manutenção do "status quo".

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