São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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Para Yoshida, só imaginação salva cinema

AMIR LABAKI
EM TÓQUIO

Um dos mestres da "nouvelle vague" nipônica dos anos 60, Yoshishige Yoshida, 62, é o grande cinecronista do centenário do cinema no Japão. Yoshida prepara dois filmes especialmente dedicados ao tema: um sobre Gabriel Veyre, o cinegrafista dos irmãos Lumière que foi um dos pioneiros do cinema no Japão, e outro que reconstitui o formato típico dos primeiros filmes, com duração limitada e câmera estática.
O diretor de "Eros + Massacre" (1969) falou com exclusividade à Folha na sala de encontros da sede do 8º Festival de Cinema de Tóquio, na última quarta-feira.
Em francês, Yoshida explicou seus atuais projetos, atacou o facilitarismo do cinema internacional e sustentou que a imaginação é a única saída para o segundo século do cinema.
Comentou ainda a edição em inglês do encarte sobre os dez maiores filmes da história que a Folha está distribuindo em Tóquio. Leia abaixo uma síntese da entrevista.

Folha - Como está seu documentário sobre Gabriel Veyre, o pioneiro francês do cinema japonês?
Yoshishige Yoshida - Estou terminando a pós-produção. Ele vai ser lançado no início de novembro no dia de inauguração do novo canal de televisão de Tóquio, a TV Metropolitana. O título é "A História de Gabriel Veyre - Sonho de Cinema, Sonho de Tóquio". Custou-me quatro anos de trabalho.
A versão final dura uma hora. Dez minutos são de material rodado por Veyre. Ele ficou em Tóquio apenas quatro meses. Veio mandado pelos irmãos Lumière. Antes, já estivera no México, Cuba, Colômbia, Venezuela.
No início do século, em 1901, o desinteresse dos Lumière pelo cinema levou-o a abandonar a profissão. Veyre mudou-se para o Marrocos a convite do sultão. Foi trabalhar como fotógrafo. Mas antes de morrer, em Casablanca, em 1916, voltou a filmar pelo interior do país. Alguns trechos, coloridos, estão no meu filme.
Folha - O senhor está envolvido em mais algum projeto ligado ao centenário?
Yoshida - Sim. Na próxima semana vou rodar em Hiroshima um pequeno filme. É para uma série da TV franco-alemã Arte. Eles encomendaram para 30 cineastas do mundo um filme de um minuto, que deve ser rodado com uma câmera de reconstituição com o mecanismo das primeiras câmeras. Deve ser um plano único com a câmera parada. Vou começar com um espelho à frente da objetiva, refletindo a câmera e o operador. Movo o espelho, a imagem vai mudando e revela atrás Hiroshima. Quero mostrar que posso mover a câmera sem movimentá-la. A estréia será em 28 de dezembro próximo.
Folha - Uma das celebrações do centenário do cinema deste festival é uma retrospectiva em homenagem aos cem anos da Shochiku (um dos gigantes da indústria e comércio do cinema japonês). Como isso é possível, se o cinema chegou ao Japão em 1897 e a Shochiku só começou a filmar muitas décadas depois?
Yoshida - A Shochiku nasceu como sociedade que explorava o teatro kabuki. Coincidentemente, foi criada em 1895. Assim, são mesmo cem anos de cinema e da Shochiku. Faz sentido. Há duas tendências: a do cinema independente e a do cinema dos grandes estúdios. A Shochiku aproveita a coincidência para equiparar a história do cinema à história do comercialismo do cinema no Japão.
Folha - Numa pesquisa recente, cuja edição em inglês a Folha está distribuindo agora nos festivais de Tóquio e em outubro no de Nova York, dois filmes japoneses ficaram entre os dez maiores da história: "Rashomon" de Kurosawa e "Viagem a Tóquio" de Ozu. Como o senhor vê este resultado?
Yoshida - "Viagem a Tóquio" é o melhor filme de Ozu, mesmo. Ozu é para mim uma referência fundamental. Há quatro anos fiz para a TV um documentário em quatro partes chamado "O Cinema de Ozu segundo Yoshida".
Preparo para o ano que vem uma antologia crítica sobre ele. Acho que Ozu foi mal-interpretado. Todos acham que seus filmes seriam tipicamente japoneses, pois mostram gente comendo, se vestindo etc. Não o são e nem Ozu pretendia que fossem. A idéia de Ozu era fazer cinema internacional. Não queria fazer filmes marcadamente japoneses.
Folha - E Kurosawa? O senhor sempre foi muito crítico em relação a ele.
Yoshida - Sim. Kurosawa articulou um cinema por um lado superexpressionista e por outro vinculado a uma irrealidade fascista, ligada a uma noção de grande poder do Estado. Mas "Rashomon" é seu maior filme.
Foi muito mal recebido pela crítica e pelo público no Japão antes de conquistar a Europa com o prêmio em Veneza em 1951. O Ocidente o revalorizou para o Japão. Só então as pessoas foram vê-lo. "Rashomon" deu ao Japão naquela época uma revolução, conquistando uma legitimidade internacional para seu cinema.
Folha - Como o senhor vê o cinema neste centenário?
Yoshida - A questão importante para mim hoje é perguntar: o que é o cinema? Cinema é o ainda não visto.
É o que está sempre escondido. O verdadeiro cinema demanda sempre imaginação do espectador.
Hoje tudo é muito fácil de compreender no grande cinema internacional. Isso é muito perigoso. É por isso que cada vez mais admiro Luis Buñuel.
É difícil achar limites na imaginação dele. É completamente livre. Todos os seus filmes são interessantes. Todos nos fazem pergumtar: Por quê? O mais forte é sempre a imaginação.

O crítico AMIR LABAKI está em Tóquio a convite da Fundação Japão

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