São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mostras paralelas dão força a Tóquio-95

INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

A força de um festival vem, em grande parte, de suas mostras paralelas. Na quarta-feira, o 8º Festival Internacional de Cinema de Tóquio ontem (27/9) botou pra quebrar em duas seções. Na grande retrospectiva da Shochiku -tradicional produtora japonesa- "O Segredo de uma Esposa", de Shohei Imamura, conseguiu um milagre.
A saber: o filme foi exibido em versão original, sem legendas, mas nenhum dos ocidentais que começou a vê-lo saiu no meio. Isso se deve, em parte, à simplicidade do argumento: uma mulher é estuprada por um ladrão. O ladrão se apaixona por ela. Ela também admitirá que o amor do ladrão lhe interessa bem mais do que o do burocrático marido.
A trama evolui para a tragédia, lembra o "Áta-me" de Pedro Almodóvar, mas "Áta-me" fica muito pequeno perto desse monumento. Imamura, em sua primeira fase, tem drama, erotismo (muito), filma o corpo e mostra as almas. É bem superior, vamos admitir, que o Imamura medalhão, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, com "A Balada de Narayama".
Mais tarde, a seção dos filmes clássicos japoneses reconstituídos trouxe uma raridade, perdida há muito e só agora recuperada: "A Flor Caída", de Tamizo Ishida (1938), que nunca passou no Brasil. Ishida, diretor da geração que veio do cinema mudo, trata os conflitos do fim da era Tokugawa, na segunda metade do século passado, vistos a partir de uma casa de guexias.
O elenco é feminino, o que é uma maneira de dizer que os homens estão quase todos na guerra (os poucos que comparecem só o fazem através de suas vozes). Através dos problemas das mulheres, encontra-se um atalho para criticar o militarismo (na época solidamente instalado no Japão).
A frase que fecha o filme é sintomática: "Não importa quem vai ganhar; a destruição está a caminho", diz uma das mulheres, enquanto ao longe se vêem os fogos de artilharia. É um filme tão mais corajoso quanto se pensa que o Japão estava, na época, se armando até os dentes para a Segunda Guerra Mundial. Mas a virtude que o mantém vivo não é a coragem, e sim a delicadeza, enorme.
Na competição, brilhou Taiwan, com "Super Citizen Ko", de Wan Jen, diretor da nova geração. Jen se mostra à altura de seu argumentista (Hou Hsiao-Hsien, um dos principais cineastas orientais da atualidade), ao contar a história do velho que, no passado, esteve preso por atividades subversivas, e que agora procura o túmulo de um amigo (morto por causa de sua confissão).
A história tem como eixo a ocupação da China pelo Japão, na primeira metade do século, e foi recebida com aplausos protocolares. Deve ficar longe da premiação, mais por razões emocionais do que outra coisa.
Muito esperada, a co-produção Japão-Hong Kong "The Christ of Nanjing" foi uma decepção. O filme do chinês Tony Au começou sob aplausos calorosos. Sobretudo para a bela Yasuko Tomita, japonesa. Mas o fato de o filme se basear em texto de Ryunosuke Akutagawa (autor de "Rashomon"), ajudava.
Com cinco minutos na tela, o filme mostrou que estava disposto a cumprir a ameaça de Tony Au: ser um "Love Story" entre um japonês e uma chinesa. Aos poucos, a sala foi se esvaziando.
Restou, ao final, um belo coquetel que confirmava as suspeitas: "The Christ of Nanjing" é, mais do que um filme, um empreendimento comercial.

O crítico INÁCIO ARAÚJO viaja a Tóquio a convite da Fundação Japão

Texto Anterior: Lúcia Nagib lança livro sobre Nagisa Oshima
Próximo Texto: México recupera cinco murais de Rivera
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.