São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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Um novo papel para a diplomacia

MARCO MACIEL

O processo de mudanças políticas no Brasil acompanhou as transformações mundiais que resultaram, ao mesmo tempo, no fim da Guerra Fria e no desaparecimento do chamado "socialismo real" no Leste Europeu. A simultaneidade desse processo afeta, sem dúvida, as condições de inserção do Brasil no contexto mundial. Um dos desafios que enfrentamos é o de avaliar quais dessas transformações -e em que medida- refletem-se na configuração da política externa brasileira.
A primeira questão que conviria suscitar refere-se à dimensão econômica, certamente a primeira e a mais visível desse processo, tanto no aspecto quantitativo quanto no âmbito qualitativo. Passamos rapidamente do modelo autárquico da década de 80, que implicava volume anual de comércio exterior -exportações mais importações- de cerca de US$ 40 bilhões, para um modelo de interdependência, que significará, no fim da década, um intercâmbio estimado em US$ 160 bilhões.
A mudança do modelo econômico nas nossas relações de comércio internacional é também qualitativa, não só porque ampliamos e diversificamos nossa pauta de importações, antes restrita ao suprimento de alguns poucos produtos de elevados preços específicos, como era o caso do trigo e do petróleo, como também porque esse processo se dá no contexto de duas outras iniciativas: a conclusão da rodada Uruguai do Gatt, de que resultou a criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), e a concretização do processo de integração regional com a institucionalização do Mercosul.
O segundo aspecto, mais visível para a política externa brasileira e menos perceptível para a maioria da opinião pública, é o de caráter social, representado pela circunstância de que nos tornamos, a partir dos anos 80, um país de emigrantes ou, como acentuam os economistas, nos transformamos em exportadores de mão-de-obra.
Essa inversão na tendência histórica de um país com a nossa diversidade étnica traz, sem dúvidas, implicações novas para nossa política externa, o que acredito ter um significado profundo no que diz respeito a um papel usualmente considerado de pequena relevância para o serviço exterior: o das relações consulares, intimamente ligado à legitimidade da diplomacia, sob a ótica da política interna e dos direitos humanos.
O cidadão comum nem sempre vê com clareza a relação entre as complexas e relevantes funções diplomáticas e o exercício da cidadania. Mesmo para aqueles brasileiros que em número crescente viajam ao exterior, as tarefas consulares constituem a parte visível da atividade diplomática.
Em outras palavras, boa parcela da opinião pública interna acredita que o papel legitimador da diplomacia seja preponderantemente exercido pelos consulados. Para esse público, a manifestação mais evidente da soberania nacional no exterior é a proteção consular.
Adicionalmente, devemos considerar que uma variável significativa do processo brasileiro de inserção e de participação mais ativa no cenário internacional, de que os acordos de cooperação como o Mercosul são exemplos, refere-se à necessidade de acentuar o nosso protagonismo no cenário internacional. E aqui não me refiro apenas à questão de dinamizarmos a presença nos organismos internacionais, o que, em grande medida, já faz parte da tradição da política externa brasileira.
É claro que a ênfase dada a essas iniciativas de caráter multilateral não diminui, não afeta nem debilita as questões bilaterais, que configuram o quadro adicional da nossa política externa.
Ao contrário, creio que essa postura as amplia e as torna mais complexas, exigindo um grau de devoção e de engajamento cada vez mais especializado e profissionalizado. De fato, a coordenação das vertentes multilateral e bilateral da ação diplomática requer complexas decisões e iniciativas, em muitos casos sucessivas e, em outros, simultâneas, influenciadas pelas variáveis dependentes desse maior protagonismo do Brasil no cenário internacional.
Nesse contexto, todo o esforço de transformações internas implicará o reforço de nossos laços com o exterior, o aprofundamento das relações com os nossos parceiros e a ampliação das iniciativas de caráter integracionista em que o Brasil está engajado. Assim, a dinamização das relações diplomáticas requer ações mais abrangentes do que as atividades de caráter tradicional, pois elas adquirem novas e insuspeitadas dimensões num mundo cada vez mais competitivo e cada vez mais integrado.
Em síntese, o Brasil terá de assumir um novo papel em decorrência desse inevitável protagonismo mundial. Já não será mais possível traçarmos com precisão a linha divisória que separa as relações de caráter exclusivamente diplomático, isto é, de relacionamento político, dos componentes essenciais do processo global, que inclui, no âmbito econômico, a informação científica, as chamadas infovias, a circulação cultural e o desenvolvimento tecnológico.
A multilateralidade de nossas relações pressupõe, necessariamente, a pluralidade e a ampla diversidade de nossos interesses.
Os constrangimentos externos a que estaremos submetidos tendem, fatalmente, a se multiplicar na exata proporção do aumento da nossa presença e atuação nos mercados internacionais. Ou nos preparamos para enfrentá-los ou corremos o risco de ver nossos interesses dura e significativamente afetados.

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