São Paulo, sábado, 30 de setembro de 1995![]() |
![]() |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
A independência do Ministério Público
ARNOLDO WALD; IVES GANDRA DA SILVA MARTINS ARNOLDO WALDIVES GANDRA DA SILVA MARTINS Não há dúvida de que a evolução do Ministério Público, em todos os países, foi no sentido de garantir-lhe uma autonomia cada vez mais ampla em relação ao Executivo, dele fazendo uma verdadeira magistratura, que representa a sociedade e defende a boa aplicação da lei. As garantias de que goza fizeram que a doutrina reconhecesse que o Ministério Público não pode ser um instrumento do governo, porque é o órgão da lei, acrescentando que, se o Código é a lei escrita, a Procuradoria representa a lei oral. Na tradição brasileira, magistrados como o ministro Pedro dos Santos, advogados como Rui Barbosa, doutrinadores como Galdino Siqueira e professores e políticos como Bilac Pinto caracterizaram o Ministério Público como uma forma de magistratura e um verdadeiro Poder do Estado, nele vislumbrando, na terminologia legal, o fiscal da lei. A Constituição de 1988 consagrou amplamente a missão ampla atribuída ao Ministério Público, dedicando-lhe a primeira seção do capítulo referente às funções essenciais da Justiça, enquanto antes suas atribuições eram tratadas na parte referente ao Poder Executivo, e assegurando-lhe a independência funcional e a autonomia administrativa, além das principais garantias da magistratura. O novo procurador-geral da República, dr. Geraldo Brindeiro, na exposição que recentemente fez ao Senado, respondendo ao senador Lúcio Alcântara, exaltou a função que devia ser exercida pelo Ministério Público, dentro do novo contexto constitucional e legal, mas admitiu que descabia a "politização" da classe. E o debate que assim surge é até mais amplo, pois é evidente que às novas prerrogativas do Ministério Público devem corresponder determinadas vedações que se justificam quando seus membros são candidatos e disputam mandato eletivo, mas também se aplicam quando adotam, no exercício da função, posições políticas inconciliáveis com a missão constitucional. Ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, a politização do Ministério Público é nociva à sua independência e nefasta ao próprio desenvolvimento do direito. Na realidade, nunca se pensou em retirar o Ministério Público da órbita do Poder Executivo, no qual se encontrava, ao menos formalmente, no passado, para que pudesse passar a depender da orientação dos partidos políticos. Ao contrário, o estado de direito sofreu sérias distorções nos países em que a Procuradoria passou a ser um instrumento partidário, como aconteceu, numa certa fase, na Rússia soviética. Sempre se entendeu que não cabia à política, seja ela partidária ou não, interferir nas decisões dos magistrados, nem nos pronunciamentos do Ministério Público. Reconhece-se, hoje, que coube ao procurador-geral Antonio Pires de Albuquerque, há cerca de 70 anos, fundar "sobre bases imperecíveis a independência e a grandeza moral do Ministério Público", ao evitar a contaminação da Justiça pelos interesses políticos, nos quais jamais se imiscuiu e aos quais jamais cedeu. Afastado, por esse motivo, do cargo, escreveu o seu livro "Culpa e Castigo de um Magistrado", que se tornou o depoimento essencial para que "compreendesse o Ministério Público seu papel e sua grandeza e incorporasse esse conhecimento, obtido através do calvário de um homem, aos tecidos mais profundos do nosso organismo político", como bem salientou San Tiago Dantas. A força do procurador-geral decorre justamente da sua independência, que comunica ao órgão que chefia, evitando o envolvimento naquilo que a Constituição e a lei não consideram da alçada da Procuradoria. Nesse sentido, escreveu Story, aliás citado por Pires e Albuquerque, "que raros homens têm a abnegação necessária para contrariar a corrente das paixões populares e sacrificar o bem-estar presente ao consciencioso cumprimento do dever". É o que a sociedade e a nação esperam do procurador-geral. ARNOLD WALD, 63, é professor de direito civil da Universidade do Rio de Janeiro. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 60, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Texto Anterior: Bebê fica sem assistência médica Próximo Texto: Contas de campanha continuarão hipócritas Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |