São Paulo, sábado, 30 de setembro de 1995
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Contas de campanha continuarão hipócritas

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Desde o último dia 19 as contas das campanhas eleitorais estão submetidas a uma legislação nova, com a publicação da Lei dos Partidos Políticos (lei nº 9.096), que modificou as regras vigentes sobre as organizações partidárias brasileiras, e, a partir do artigo 30, criou normas sobre as finanças e a contabilidade delas.
Uma das críticas mais constantes feitas à contabilidade partidária e às contas de campanha é a de que todas são de estarrecedora hipocrisia. Ou seja, são formalmente perfeitas, com demonstração segundo as técnicas contábeis, mas não retratam nem por aproximação os verdadeiros aspectos do financiamento eleitoral. O ministro Sepúlveda Pertence, quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral, reconheceu -como antes também fizera Oscar Corrêa- que as contas partidárias são uma composição numérica por aproximação, não indicando o que realmente ocorreu, mas compondo sua solução satisfatória para a aprovação dos tribunais eleitorais.
Acontece que a Justiça Eleitoral não entra no mérito da conta. Se as colunas do ativo e do passivo baterem, se vierem instruídas com documentação correspondente aos lançamentos (ainda que a maior parte das despesas não confira com a realidade evidente, do mesmo modo que os ingressos no caixa), tudo estará bem. Lembro que nenhuma despesa pode ser feita fora dos quadros partidários.
O artigo 30 da nova lei determina que o partido político deve manter escrituração contábil, "de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas". Está entre aspas porque foi copiado da lei. "Origem" é uma palavra que não dá margem a dúvidas: cada real tem de vir demonstrado de onde saiu, quem deu, quem contribuiu, quem pagou. O artigo 33 inclui quatro indicadores do que os balanços devem conter como elementos fundamentais. Entre esses itens acham-se "a origem e o valor das contribuições e doações", o que há de incluir a "determinação detalhada das receitas e despesas".
As contas, uma vez contabilizadas e apresentadas à Justiça Eleitoral, são imediatamente publicadas, permitindo a crítica e as denúncias dos interessados. Tudo, portanto, muito bem especificado, com clareza, sugerindo que, a partir da nova lei, as despesas de campanha espelharão com fidelidade as doações recebidas, os gastos feitos. A Justiça Eleitoral tem competência para exercer a fiscalização sobre a escrituração e a prestação de contas. Cabe-lhe verificar despesas e receitas. A Justiça Eleitoral não está, porém, aparelhada para cumprir pronta e integralmente essa missão. São males tradicionais: falta de recursos materiais e humanos capazes de conferir a verdade substancial por trás da exatidão formal.
Cotejando o texto da lei com o que tem sido a realidade partidária brasileira, parece provável que o futuro não seja muito diferente do passado. Mantenho a forte impressão de que a hipocrisia continuará assolando a vida eleitoral brasileira, mantendo-a farsesca, como todos sabem, mas como não tem sido possível evitar. Dois dispositivos podem amenizar minha descrença. O artigo 35 permite o exame da escrituração para apurar se viola prescrições legais ou estatutárias, podendo mesmo determinar a quebra do sigilo bancário das contas do partido para o esclarecimento dos fatos. O artigo 37 prevê que a desaprovação das contas implica a suspensão da entrega de novas quotas do fundo partidário. Talvez sejam úteis.
Será bom que o futuro demonstre meu erro, de modo a tornar possível a criação, pela primeira vez na história deste país, de uma campanha eleitoral isenta de hipocrisia.

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