São Paulo, sábado, 30 de setembro de 1995
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'Nunca pensei que me acusariam'

DA REPORTAGEM LOCAL

V., 37, está cumprindo 14 anos de prisão por três atentados ao pudor. S., 38, já está há seis anos na Casa de Detenção, no Carandiru (zona norte de SP). Ele é acusado de estupro. Os dois são casados, têm filhos e conheciam suas vítimas.
V. não gosta de falar sobre suas vítimas. Ele e S. não permitiram a publicação de seus nomes. V. não se diz inocente, mas afirma que "a culpa" de seus crimes é da bebida.
"Ela me deixava alto e eu perdia a minha cabeça. Forcei a barra com elas e estou pagando por isso", diz V., que trabalhava como projetista e ganhava 30 salários mínimos antes da prisão.
Ele tinha três filhos com sua mulher e, segundo disse, "mantinha casos extraconjugais". Uma dessas mulheres procurou uma delegacia da zona sul de São Paulo e o denunciou em 1991. Ele a teria obrigado a fazer sexo anal, oral e a estuprado.
Sua foto foi publicada nos jornais. Mais duas mulheres apareceram para acusá-lo. "Elas me conheciam. Havíamos saído e, após ficar bêbado e ouvir um não, resolvi forçar, mas nunca pensei que iam me acusar", diz.
Ele foi preso quando saía de casa para o trabalho. Sua mulher não o abandonou após a prisão e o visita nos fins-de-semana.
"Na cadeia, você vale quanto pesa", afirma. O projetista diz que não foi violentado por seus colegas de cela do Distrito Policial porque tinha dinheiro.
"Coloquei televisão, aparelho de som e abasteci a copa da cadeia da delegacia. Por isso, não fui 'oprimido' (violentado) pelos outros presos", diz.
Mesmo assim, V. afirma que não pode se manifestar em nenhuma discussão interna da cadeia. "Vários estuprados são depilados, tatuados, levam choques elétricos dos outros presos e, se não tomam nenhuma atitude, são violentados."
Evangélicos
V. e S. vivem em uma ala reservada aos presos evangélicos na Casa de Detenção. S. diz que "já havia se convertido" antes de ser preso. A religião chegou para V. no momento em que ele entrou na Detenção, em novembro de 1992, após ficar oito meses em uma delegacia.
"Dos que viram evangélicos, só 10% são sinceros. Os outros não querem ficar no meio dos ladrões, não querem confusão", afirma V..
Os dois fazem pregação evangélica em todos os pavilhões da Casa de Detenção -eles têm um passe especial que lhes permite o acesso a todos os pavilhões.
S. chegou na Detenção em 1991. Segundo diz, sua vítima era uma ex-namorada que o acusou para se vingar.
S. tem quatro filhos e sua mulher também o visita na cadeia. Ele foi condenado a 13 anos de prisão. "Fiz meu ambiente na cadeia pela igreja e pela humildade. O estuprador tem que ser humilde na prisão e ficar sempre longe de qualquer briga", afirma.
S. diz que também não foi vítima da violência que os outros detentos reservam aos estupradores. "Não fui 'oprimido', nunca apanhei e nunca tomaram o que era meu."
S. e V. dizem que toda mulher vítima de estupro deve procurar a polícia e acusar o agressor. "Ela tem que ir atrás de seus direitos. Sempre achei um absurdo alguém estuprar alguém até que aconteceu comigo. Estou arrependido", afirma V..

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