São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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Dez anos de UE dividem Portugal e Espanha

CLÓVIS ROSSI

CLÓVIS ROSSI; JAIR RATTNER
DA REPORTAGEM LOCAL

JAIR RATTNER
Espanha e Portugal chegam hoje ao décimo ano como membros plenos da União Européia em estado de ânimo oposto: a "euroeuforia" se mantém entre os espanhóis, embora atenuada, mas os portugueses começam a se alinhar com os "eurocéticos".
A diferença de estado de ânimo se explica, em todo o caso, muito mais por motivos conjunturais do que pelos resultados de todo o período de dez anos de integração dos dois países à Europa.
Para ambos, o progresso foi indiscutível: a economia portuguesa cresceu 33,9% no período, ao passo que a espanhola engordou 29,4%. Nos dois casos, acima do crescimento médio dos seus 13 parceiros da União Européia.
No caso de Portugal, houve até a proeza de passar à frente da Grécia, deixando de ser o país mais pobre do conglomerado europeu.
O ceticismo dos portugueses talvez tenha a mesma origem das queixas dos Estados mais pobres do Brasil contra os mais ricos.
No caso específico de Portugal, a reclamação está dirigida aos burocratas de Bruxelas, a capital da UE, que são acusados de tomar decisões tecnicistas, sem levar em conta as diferenças econômicas e sociais dos países-membros.
Os espanhóis, por vezes, formulam as mesmas queixas, mas levam uma vantagem: incrustraram-se na burocracia européia de uma forma muito mais generalizada, já que a Espanha é, comparativamente, mais poderosa.
Contribuiu também para isso a continuidade administrativa na Espanha: desde que ingressou na então Comunidade Européia, a Espanha é governada por Felipe González, um "euroentusiasta", com sólidas relações com os líderes das grandes potências da região.
Portugal, não. Não só mudou de governantes como viveu conflitos, surdos ou abertos, entre o presidente socialista Mário Soares e o premiê liberal Cavaco Silva, só este ano substituído por Antônio Guterres, também socialista.
O entusiasmo espanhol pela UE também pode ser explicado pelo lado político-institucional.
Mas o impulso esgotou-se no início dos anos 70 e o empresariado espanhol percebeu que uma nova alavanca só viria da entrada do país na Comunidade Européia.
O que, por sua vez, exigia o restabelecimento da democracia, sem o que a Espanha não passaria na eliminatória para ingresso na Europa em processo de unificação.
Com a morte de Franco, em 1975, e a redemocratização plena, em meados de 1977, as portas da Europa se entreabriram para a Espanha, aceita finalmente em 1986.
O que se seguiu foi uma formidável explosão econômica: nos cinco primeiros anos posteriores à integração, a Espanha cresceu a um ritmo quase asiático (pouco menos de 5% ao ano).
O próprio presidente português, Mário Soares, que em 1985 assinou os documentos para a entrada do país, apresenta-se como um crítico da forma como está sendo feita a construção européia. "Temos uma Europa decepcionante", afirmou ao jornal "O Público". Sua queixa: "Não se pode impor uma ditadura de um banco ou de tecnocratas sem rosto e sem responsabilização, apegados a critérios abstratos, que não leva em conta as realidades sociais dos países em que são aplicados".

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