São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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'O Vento e o Leão' reflete sobre militarismo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A principal vantagem de rever "O Vento e o Leão" hoje é a possibilidade de ressituá-lo no tempo.
Sua história se passa em 1904, portanto antes que o comunismo (grande fantasma do conservadorismo norte-americano neste século) sequer sonhasse em tomar o poder em algum país. O filme é de 1975, em plena derrocada da intervenção dos EUA na Ásia.
Uma mulher americana (Candice Bergen) é raptada por Raisuli (Sean Connery), líder berbere e uma espécie de pirata do deserto, que agia no Marrocos.
À sua maneira, o diretor John Milius não pisa em ovos: defende o expansionismo, justificando-o pelo caráter americano e pela voz de Teddy Roosevelt.
Milius dá muito mais ênfase ao lado militarista do presidente do que ao aspecto diplomático em que era, segundo consta, craque.
Ao mesmo tempo, trata com luvas de pelica o berbere bárbaro. É um paradoxo: embora berbere, e não árabe, Raisuli é muçulmano e age em nome de Alá, como qualquer xiita contemporâneo. E, naquele momento, os árabes promoviam uma agressiva política de preços de petróleo. Eram, portanto, um inimigo do Ocidente, tal como se acomodava naquele momento, sob a liderança dos EUA.
Essa salada histórica ajuda a compreender o filme, mas não deve tomar o seu lugar. Apesar de suntuoso como aventura, "O Vento e o Leão" teve recepção razoavelmente fria. Era um filme que visava obliquamente as questões de seu tempo e fazia a defesa do espírito americanista, do intervencionismo e do militarismo.
No entanto, o faz de maneira fria, reflexiva. Afirma sua paixão (Milius é um direitista e, sobretudo, militarista), mas não se deixa levar por ela. É muito claro na afirmativa, mas nebuloso na negativa. Isto é, leva em conta os EUA e seu espírito conquistador, mas não visa um inimigo em particular.
Esse aspecto abstrato reforça o caráter ideológico do filme ao mesmo tempo em que o torna, até hoje, um espetáculo atualíssimo, porque não se detém nas questões de seu tempo.
Por ele, podemos conhecer os EUA, seu caráter e suas ações, bem mais do que em dezenas de filmes bem-comportados. Existe uma reflexão, pela imagem, do destino desse país no mundo, mas, ao mesmo tempo, uma postulação da idéia de valor, que torna um pirata nômade (Raisuli, o leão) um igual e um secreto parceiro de um presidente de uma grande nação (Teddy Roosevelt, o vento).
Este é um filme que ganha com o tempo. E que hoje, 20 anos depois de realizado, já se pode, enfim, chamar de um grande filme, construído no fio da navalha da tradição mais típica da aventura colonial e do mais desabusado cinema moderno.

Filme: O Vento e o Leão
Direção: John Milius
Elenco: Sean Connery, Candice Bergen, Brian Keith
Distribuição: LK-Tel (tel. 011/825-5766)

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