São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Índice

Capella encanta com histórias de amor e dor

MÔNICA RODRIGUES COSTA
DA REDAÇÃO

"Píramo e Tisbe", de Vladimir Capella é uma espécie de "Romeu e Julieta" de Zefirelli destinado a adolescentes. A força trágica da peça está no contraste entre um texto arcaico, quase metrificado, e a presença de 25 jovens atores, muito bonitos, no palco.
"Píramo e Tisbe' é legal, porque histórias de amor nunca saem de moda", diz a adolescente Paula Guerreiro, em carta ao espetáculo. Outras cartas enfatizam o trabalho dos atores. "Narciso e Eco foram bem representados, dando clareza aos acontecimentos", diz André Luís Machado, 12. "A peça se relaciona com nossa vida, o amor, a vaidade, a dificuldade do amor", acrescenta Daniella Silvestre, 12.
Leia o que pensa Capella, 44, sobre o teatro infanto-juvenil.
*
Folha - Crianças e adolescentes se interessam por teatro?
Vladimir Capella - As crianças são seres abertos, o que você mostrar é o que vai formá-las. Elas irão ao teatro se você levá-las. O adulto é responsável pela educação, pela alimentação, as crianças não se alimentam sozinhas.
Folha - Há quem diga que eles não se interessam.
Capella - Esse é um pensamento perigoso. O teatro pode propiciar um coração mais generoso.
Folha - Teatro infanto-juvenil tem público?
Capella - Tem público e ele gosta. As pessoas tentam rejeitar, porque qualquer coisa que não pertença ao mundo adulto é marginalizada, porque não produz. Por isso o teatro para crianças tem de ser cor-de-rosa e o para adolescentes tem de minimizar conflitos.
Folha - Fale sobre as montagens atuais.
Capella - Estive em um festival nacional em Ribeirão Preto. Achei as montagens equivocadas, a interpretação equivocada, a direção acha que criança fala cantadinho, tatibitate. As montagens desprezam o lado ideológico, como se teatro para crianças não fosse político. Não é só borboleta amarela que casa com borboleto azul e canta musiquinha no final. Em São Paulo não é muito diferente.
Folha - Qual é a sua visão sobre o teatro infanto-juvenil?
Capella - Há pouca gente fazendo e é um beco sem saída. Esse teatro não progride, como se fosse fadado ao insucesso. Apesar de algumas montagens mostrarem qualidade, ele não cresce, há pouca competição, no sentido saudável.
Folha - Quais os rumos do teatro infanto-juvenil?
Capella - Penso quixotescamente que estamos formando os adultos de amanhã. Não dá para fazer cenário de isopor com a desculpa de que criança não repara, você forma o gosto estético.
Folha - Você recomenda que os pais levem os filhos a espetáculos para adultos?
Capella - Claro, "Péricle, o Príncipe de Tiro", de Ulisses Cruz, é um conto de fadas e é Shakespeare, as crianças podem assistir às montagens de Cacá Rosset. Vai do critério de cada um saber o que mostra ao filho.
Folha - Como é ter adolescentes como atores?
Capella - Eles vêem o mundo de forma diferente. São dionisíacos, sou mais apolíneo, isso gera certa discordância, mas eu gosto.
Eles inventam coisas por conta própria. Em entrevista que eu fiz com Ulisses Cruz para um jornal, Cruz disse achar que o mérito da direção de "Píramo e Tisbe" foi não ter forçado a barra, eu os deixei fazer do jeito deles. Minha opção foi a comunhão entre palco e platéia que a idade propicia.
Folha - "Píramo e Tisbe" inova o repertório teen?
Capella - A produção para adolescentes tem uma mídia ultimamente fabulosa, voltada ao mercado, sempre para "vender tênis". Há pessoas que comentam que "Píramo e Tisbe" é triste, como se eu fosse obrigado a só mostrar coisas alegres, e os adolescentes assistem para ver que a vida é dura, mostro dor. O próprio adolescente, que poderia rejeitar, gosta.
Folha - Que produção é essa?
Capella - Não que as montagens sobre aborto, drogas, não sejam importantes, mas são teatro do cotidiano. "Píramo e Tisbe" é um teatro essencial. Toca um lugar mais profundo. O adolescente se identifica com a tragédia.

Texto Anterior: Tio Dave não está se sentindo bem
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.