São Paulo, sexta-feira, 5 de janeiro de 1996
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A lista e o funcionalismo

ODILON A. MARCUZZO DO CANTO

Diante da sistemática campanha difamatória contra o serviço público neste país, muitos servidores provavelmente já se fizeram a mesma pergunta que tanto atormentava o príncipe dinamarquês da tragédia de Shakespeare. Será que ainda vale a pena seguir essa carreira?
A recente divulgação da descuidada lista de 1.760 servidores federais que ganham mais do que o Presidente da República, pelo Ministério da Administração, foi mais um ato dessa verdadeira peça teatral que, há tempos, vem sendo ensaiada pelo governo. Mais grave ainda, como bem apanhou o colunista Janio de Freitas nesta Folha (17/12 e 19/12/95), a lista foi montada com o nítido propósito de criar um fato político para "desencalhar a reforma administrativa no Congresso Nacional".
Como era previsível, depois do "affair" entre FHC e os presidente da Câmara (Luís Eduardo Magalhães) e do Senado (José Sarney) em torno da famosa pasta rosa, o ambiente para votação dos projetos de interesse do governo se deteriorou consideravelmente. A precipitada divulgação dessa lista de supostos "marajás" do serviço público soou como um golpe baixo do Ministério da Administração, com indisfarçável propósito de obter apoio para as medidas que pretende implantar contra o funcionalismo civil.
O simples reconhecimento do erro não apaga o dano causado à imagem do servidor público. Aliás, de onde vem a idéia de que funcionário público não pode ganhar bem? Parece um contra-senso exigir que aqueles que prestam serviço em órgãos públicos sejam tão eficientes quanto os trabalhadores do setor privado, porém devendo resignar-se a receber menos... Basta comparar as tabelas da pesquisa do caderno Emprego da própria Folha: o teto salarial do funcionalismo fica abaixo do setor privado para as ocupações de nível superior, na maioria dos casos, e inalcançável nos cargos de direção (entre R$ 10,7 mil e R$ 21,4 mil) e gerência (R$ 6,5 mil).
O erro detectado -soma do valor da aposentadoria com os vencimentos da ativa na remuneração bruta- foi atribuído, em um caso específico, a uma universidade e, no geral, ao programa de computador utilizado. Num e noutro caso, a explicação não convence.
Pois, se foi o próprio governo que obrigou as universidades a abandonar seus programas de folha de pagamento e entrarem no seu sistema (Siape), é porque supostamente ele deveria ser melhor!
Esse episódio, somado aos escândalos (casos Sivam e pasta rosa) e a ajuda aos banqueiros lesiva aos cofres públicos (casos Econômico e Nacional), nos conduz, irresistivelmente, à tentação de exclamar -parafraseando o célebre dramaturgo inglês- de que existe algo de podre no reino de Brasília!

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